27 de novembro de 2019

Público versus privado (a minha experiência).

Na gravidez do Matias fui inicialmente seguida por um colega super famoso no meu hospital. Eventualmente achei que as coisas não estavam a correr muito bem (há a tendência para relativizar um bocado os seguimentos dos colegas, com muitas consultas 'de corredor') e passei a ser seguida só no centro de saúde. A dada altura a minha médica de família disse que não se sentia confortável a seguir-me sozinha por causa da questão cardíaca, e comecei a ser seguida por uma obstetra no Hospital da Luz que foi recomendada pela minha amiga Joana (interna de obstetrícia).

Nunca houve propriamente grande empatia com esta colega, até porque não havia muito para fazer: eu tinha uma relação muito fixe com a minha médica de família e com as enfermeiras do centro de saúde, era acompanhada pela cardiologista e já sabia que o meu parto ia ser feito pela minha amiga, por isso sentia que a obstetra estava ali um bocadinho 'a mais'.

O Matias nasceu no Hospital Garcia de Orta. Não tenho qualquer razão de queixa do hospital, muito pelo contrário: fui bem recebida e bem tratada (e ninguém sabia que eu era médica ou amiga da Joana) e as enfermeiras do bloco de partos eram fantásticas (embora demorassem algum tempo a darem os reforços da epidural, mas na verdade tudo parece interminável quando estamos com dores). O meu parto correu lindamente e tive imenso apoio nas primeiras horas (uma das enfermeiras até ficou do lado de fora da banheira e depois ajudou-me a vestir). Fiquei num quarto partilhado com mais duas pessoas e a única chatice era o facto dos miúdos delas chorarem (o Matias não chorava porque já estava para lá de Bagdad, mas eu não sabia ainda). Não havia muito espaço para as minhas coisas, mas também achei pouco importante.

A minha única queixa foi mesmo o pouco apoio que tive em relação à amamentação. De dia as coisas ainda iam correndo, com os filmes do costume: espreme mamilo para ver se sai colostro, diz à mãe 'não faça essa cara de dor porque o seu filho sente', esmaga mama e enfia na boca do bebé, diz que bebé tem fome, diz que bebé não tem fome, diz que bebé tem de ser acordado, diz que bebé não pode ser acordado, diz que bebé tem de ser aspirado, diz que bebé está enjoado e por aí fora. Mas à noite as coisas pioravam consideravelmente: sempre que eu chamava (que era basicamente em todas as mamadas porque era uma naba gigante) lá vinha uma senhora auxiliar com cara de frete, despachava-me em três tempos (e mal) e pronto, eu ficava na mesma (nada contra caras de frete à noite, possivelmente eu própria faço caras de frete à noite, mas acho que tento ser simpática e prestável, até porque se for eficaz é mais provável que aquela pessoa fique satisfeita e desampare a loja). Ninguém pesou o Mati à saída (se pesassem nunca teríamos tido alta) e depois foi a trapalhada que já toda a gente está farta de ler.

Desta vez as circunstâncias eram diferentes.



No convívio de Natal do ano passado da Amamentos conheci a Mariana, obstetra e doula. Ela tinha acabado de assinar o contracto com o meu hospital, por isso achei que os astros estavam a alinhar-se de uma forma brutal e marquei uma consulta pré-natal com ela. O meu plano era ser seguida por ela lá na clínica e ter o parto no meu hospital, mas logo na primeira consulta da minha gravidez descobri que a Mariana tinha rescindido o contracto e já só fazia partos na Clínica de Santo António.

Passei a gravidez toda a maturar esta ideia. Parir no privado era algo muito estranho para mim, não me identificava com o estilo, tinha receio que algo corresse mal e, acima de tudo, sabia que as melhores equipas e equipamentos estão no público. Mas ao mesmo tempo confiava na Mariana... E já não confiava assim tanto nos serviços de obstetrícia. Ainda estava traumatizada com os meus estágios na Maternidade Alfredo da Costa (onde vi partos lindíssimos, mas também partos difíceis, com direito a violência física e verbal), o São Francisco Xavier está péssimo, Santa Maria idem, o Garcia está bom mas a pediatria está como se sabe, o Amadora-Sintra está sobrecarregado... Sobrava Loures, do qual não sabia nada de bom ou menos bom, e que foi até ao fim o nosso plano B caso a Mariana não estivesse disponível por alguma razão (juntamente com o Garcia, que continuou sempre a ser uma hipótese).

Durante a minha segunda gravidez mantive o meu acompanhamento na cardiologia (no público) e no meu centro de saúde, agora com uma grande diferença: as enfermeiras mega fixes da gravidez do Matias foram substituídas por outras... Não tão simpáticas, vá.

Fiquei com pena, confesso. Na gravidez do Matias adorava a troca de experiências que acontecia com a equipa de enfermagem, e inclusivamente cheguei a fazer cursos no meu centro de saúde (como o curso das massagens para bebés!). Desta vez isso perdeu-se completamente, embora tenha mantido na mesma a óptima relação com a minha médica de família e com a interna dela.

No entanto, nada se comparava à relação que estabeleci com a Mariana. A sério, não lhe fiz mais publicidade durante a gravidez porque não queria concorrência na altura do parto, mas a Mariana foi mesmo estrondosa. Ouviu-me, falou comigo, esclareceu-me, foi sempre muito sensível a tudo, respeitou o que eu quis, esteve sempre disponível... Enfim, foi um acompanhamento perfeito, e não mudava rigorosamente nada. Acho que o meu parto reflectiu bem aquele que parece ser o objectivo da Mariana: ela deu-me as ferramentas e eu pari sozinha, com ela ao meu lado a ver tudo.

No fim, fomos mesmo parir à Clínica de Santo António (vulgo Clisa, que agora pertence aos Lusíadas). E foi uma experiência diferente do que eu esperava.

Mal cheguei, fui encaminhada para o meu quarto (que era enorme). Desfiz a mala, guardei tudo no armário mega gigante, vesti a roupa do hospital e esperei pela anestesista. A dada altura apareceu uma colega auxiliar que me perguntou algo do género:

Senhora auxiliar (leiam isto com um tom super contente): Olá mamã! Ora bem, vamos lá decidir as refeições de amanhã? Para o pequeno-almoço temos leite, café, café com leite, iogurte líquido, iogurte sólido, chá de camomila, chá de cidreira, chá de tília, sumo de fruta, pão de mistura, pão de cereais, croissant, pão de leite, bolachas Maria, bolachas de água e sal, manteiga, queijo, fiambre ou compota (sou capaz de jurar que ela até especificou os tipos de compotas disponíveis).
Eu (mentalmente): QUERO A EPIDURAAAAAAAAAL.
Eu (verbalmente): Iogurte líquido e pão de mistura?

Seguiu-se exactamente o mesmo procedimento para o almoço, o lanche, o jantar e a ceia, com direito a milhentas opções. E sinceramente? Achei tudo super pomposo. Não podia estar menos interessada na comida que me iam dar, queria lá saber se ia ter uvas ou ananás, só queria ser alimentada (e não sou esquisita).

Depois disto veio a anestesista, depois as enfermeiras foram passando para ver como estavam as coisas e o meu parto foi brutal. Nos dias seguintes as enfermeiras foram incansáveis, super simpáticas, vinham sempre rápido quando eu chamava e ficavam imenso tempo a tentar ajudar-me (às vezes até demais, mais uma vez já não aguentava ter malta a espremer-me as mamas). Mas lá está, no geral sinto que tive muito mais apoio desta vez, inclusivamente na parte da amamentação, e se não correu bem não foi claramente por falta de apoio dos colegas (desde as enfermeiras à Patrícia, a minha consultora de lactação). É claro que muitas vezes a malta dizia coisas contraditórias (Arranje mamilos de silicone! Não, arranje a bomba! Não, fique em contacto pele a pele durante todo o dia! Não, agora ponha gotas de Aero-Om nos mamilos!), mas senti-me genuinamente acarinhada pela equipa (se calhar ter levado bolo ajudou, não sei).

A nível de espaço físico, obviamente que as condições eram melhores, mas isso sinceramente não é de todo importante. Podia receber mais visitas durante mais tempo (mas no Garcia eles também são particularmente somíticos com isso, e nem o pai pode lá ficar o dia inteiro!), o que para mim era óptimo porque adoro rodear-me de malta no pós-parto. O Pedro dormiu lá na primeira noite porque a Gabriela nasceu às duas da manhã (e tinha uma cama para ele) e no dia seguinte recebi as visitas da minha mãe, do meu pai, da minha avó, do meu irmão, da namorada do meu irmão, da Joana, da minha sogra, do companheiro dela e da minha cunhada. O Pedro dormiu a noite seguinte em casa com o Matias e a minha mãe ficou comigo até às 21h (e podia ter ficado a dormir, mas eu mandei-a para casa). Tive alta em 36h (no Garcia foram 48h) e a Gabi foi vista pela pediatria no primeiro dia e no segundo (no Garcia o Matias só foi visto uma vez).

No geral, gostei imenso das experiências em ambos os sítios. Algumas coisas correram menos bem no Garcia, na Clisa também. Claramente não tenho perfil para grandes experiências no privado porque é-me absolutamente indiferente se estou sozinha no quarto ou se posso optar entre pão de cereais e pão de mistura, mas como queria que fosse a Mariana a fazer-me o parto não tive outra opção (no fim fui eu própria a fazer-me o parto, mas valeu bem a pena) :D

Se decidirmos ter mais filhos, vou para onde a Mariana estiver. Seja no público ou no privado, acho que o importante são sempre os colegas que encontramos pela frente, desde a equipa médica (obstetras, anestesistas, pediatras) à equipa de enfermagem e de auxiliares. E em ambas as minhas gravidezes tive o privilégio de ter encontrado profissionais excepcionais que sempre nos fizeram sentir acarinhados e bem entregues.

E tenho dois filhotes lindos e saudáveis também graças a eles :)