Durante a gravidez do Matias escrevi algumas vezes sobre o facto de não achar a maternidade instintiva. Quando o Matias nasceu, senti isso de uma forma ainda mais incisiva: de facto, para nós a parentalidade era uma espécie de experiência científica, com hipóteses e resultados. Quando o Matias chorava, de imediato pensávamos na primeira hipótese: será fome? Se sim, boa. Se não, hipótese seguinte: será sono? Geralmente não avançávamos deste ponto - o Matias sempre foi um miúdo relativamente tranquilo -, a não ser quando uma terceira hipótese surgia: o puro e simples azeitanço da noite (a que a malta gosta de chamar 'cólicas' e que fazia o Matias chorar duas horas seguidas).
Sim, para nós a parentalidade nunca foi uma cena instintiva. Por outro lado, foi desde o início vivida de uma forma tranquila e fluída, com a certeza que com o tempo tudo ia ficar mais fácil e íamos passar a conhecer cada vez melhor o miúdo.
Não sei ao certo o que mudou, mas com o tempo a parentalidade foi efectivamente ficando... Básica. Não básica no sentido de fácil (muito pelo contrário, sinto que esta bodega é cada vez mais desafiante), mas básica no sentido de primitiva, automática, homem-das-cavernas-style.
Talvez tenha ficado tudo mais simples quando o Matias começou a falar. Lembro-me de um dia em que ele acordou a chorar durante a noite, eu entrei no quarto dele e ele disse 'mamã, dói-me o dente'. Fiquei abismada. Vi a boca dele, tinha efectivamente um dente a nascer. Dei-lhe o xarope e abracei-o até ele ficar mais tranquilo. E depois fui para a minha cama e chorei de felicidade. Agora ia ser tudo bem mais fácil, pensava eu. Que inocente.
Sempre senti que aquela história das mães saberem os choros diferentes era treta, mas podem crer que agora que o Matias tem três anos consigo identificar na perfeição quando é que ele precisa de dormir, comer, brincar ou parar um bocadinho, quando é que o dia dele correu bem, quando é que correu mal, se vai ficar doente daí a dois dias, se está triste ou zangado ou contente ou com medo. Sei o que o faz feliz e o que o aborrece ou irrita.
Não conhecia o Matias quando ele nasceu, e também não o conhecia quando ele tinha um mês ou dois. Mas agora conheço-o. Sei praticamente tudo sobre ele. E, por isso, é tremendamente instintivo ser mãe dele.
Nesse aspecto, acho que a Gabriela parte em vantagem. Não porque vou ser uma mãe dela instintiva, porque não vou - quando a Gabriela nascer não vou saber quando é que ela precisa de dormir, comer, brincar ou parar um bocadinho, quando é que o dia dela correu bem, quando é
que correu mal, se vai ficar doente daí a dois dias, se está triste ou
zangada ou contente ou com medo, o que a faz feliz ou o que a aborrece ou irrita.
Não vou conhecer a Gabriela quando ela nascer, e sei que vou demorar meses a conhecê-la. Mas agora tenho toda uma outra tranquilidade em relação a isso. E sei que vai chegar o dia em que vai ser tremendamente instintivo ser mãe dos dois.
E esta é uma sensação do caraças.