(Banda sonora)
No intervalo da peça de teatro do Harry Potter And The Cursed Child dei por mim a questionar-me se a J. K. Rowling ainda se sente assoberbada pelo seu sucesso tantos anos depois. E perguntei à Joana, ao Bernardo e ao meu irmão se às vezes não tinham momentos em que olhavam para trás e ficavam fascinados por aquilo que já tinham conseguido atingir na vida.
A resposta foi igualmente surpreendente e deprimente, porque aparentemente nenhum deles pensa isto. E logo vieram as teorias: que eu me sinto assim porque escrevi um livro, tenho um filho, estou há mais de dez anos com o Pedro, etc etc etc, enquanto que eles * inserir aqui chorice sobre a vida deles *.
Fiquei em silêncio durante alguns minutos, e depois disse-lhes que não acho que seja por isso. A verdade é que ainda me recordo demasiado bem de mim própria com quinze anos, a achar que ninguém me amaria, a escrever no meu diário com canetas com cheirinhos que odiava a minha mãe, sem ter amigos a sério como os adolescentes dos filmes, a sentir-me incompreendida, a pensar que era uma merda e a sentir que nunca iria a lado nenhum na vida.
Há umas semanas estávamos a falar sobre umas situações do meu passado (nada de especial, coisas que para mim são banais) e o Pedro ficou pensativo e disse de repente 'no fundo, tu és uma sobrevivente'. E eu fiquei um bocado em choque. Acima de tudo porque não penso em mim dessa forma - e o Pedro só pensa porque não trabalha na mesma área do que eu, onde os sonhos morrem um bocadinho todos os dias.
Acima de tudo, lembro-me demasiado bem de mim própria com quinze anos a pensar todos os dias 'amanhã vai ser melhor'. Às vezes era. Muitas vezes não era. Até que um dia foi mesmo.
Antes da minha cirurgia, um dos enfermeiros perguntou porque tinha 'all things go' tatuado no braço. Encolhi os ombros. A história é demasiado longa e o tempo era pouco. Mas é esta a razão: porque tudo passa. Tudo vai. Tudo se resolve. Amanhã vai ser melhor.
Esta semana fiz urgência com uma interna do primeiro ano que passou lá pelo serviço no ano passado, em plena crise existencial gigante minha, quando quis desistir de tudo e dedicar-me a criar a minha empresa de organização de eventos. Aparentemente não fui eficaz a convencê-la, porque ela entrou na especialidade na mesma. Aparentemente não fui eficaz a convencer-me, porque aqui estou na mesma.
Tudo passou. Tudo foi. Tudo se resolveu. O dia seguinte não foi melhor. A semana seguinte também não. O mês seguinte também não. Mas eventualmente amanhã foi melhor.
All things go.
E espero honestamente nunca perder esta capacidade de olhar para o presente e de me sentir não só assoberbada, mas também terrivelmente agradecida. E naquele momento, em Londres, a realizar um sonho com os meus melhores amigos no mundo inteiro, senti muita, muita tristeza por eles não saberem o que é esta felicidade.
Um dia vão saber, espero eu. E eu vou estar lá para assistir da primeira fila.