Corria o ano de 2016 quando eu, grávida de 32 semanas, atolei o carro sozinha no meio da Serra da Estrela. Para vos ser sincera sempre achei que seria impossível rir-me desse episódio incrivelmente totó da minha vida, mas uns anos depois a verdade é que já não o vejo dessa forma tão traumatizante, e tal como tantos outros também esta é simplesmente mais uma história da nossa vida cheia de aventuras: umas boas, outras más, faz parte.
O Pedro estava decidido a voltar à Serra da Estrela nesse Inverno, mas depois o Matias nasceu e ele mudou de ideias em relação a viajar com um bebé pequenino. Decidimos ir em Junho de 2017, já com o Matias mais crescidote, e marcámos a Casa do Giestal. Uma semana antes da nossa viagem o terreno ardeu nos grandes incêndios desse ano. Decidimos adiar a viagem para o ano seguinte, já com o terreno mais recuperado, e marcámos para Dezembro de 2018. Três dias antes da nossa viagem, a estrada que levava à casa desabou por causa das grandes chuvas que se faziam sentir.
Aí, confesso, começámos a achar que isto era uma mensagem cósmica para esquecermos a Serra da Estrela. E nunca mais marcámos.
Chegou a pandemia, e com ela a vontade de ter espaço. De sair daqui, de ser livre, de correr pelos montes, de respirar ar puro, de ouvir o silêncio da noite. Viver em Lisboa é óptimo e eu adoro, mas também é, por vezes, vagamente asfixiante.
Decidimos desafiar o destino e marcámos a Casa do Giestal para as férias do Pedro, em Julho.
E depois as férias do Pedro não foram aprovadas. E se até aqui eu achei sempre que isto eram mensagens do universo, agora fiquei a pensar que o universo não era mais teimoso do que nós. Liguei para a Casa do Giestal, expliquei a situação e implorei por uns dias disponíveis em Junho. Conseguimos, ficou marcado, esperámos e rezámos.
O dia da partida amanheceu com nuvens. Demos o pequeno-almoço à criançada e partimos, o Matias delirante por ir 'para a casa da montanha', a Gabriela na sua alegria habitual, nós entusiasmados por termos, finalmente, espaço para podermos estar os quatro. Chegámos à casa cedo, o Pedro foi dar o almoço à Gabriela e eu comecei a desfazer as malas. O Matias ficou na relva a brincar, e de repente tentou abrir a porta e não conseguia. Tinha fechado a porta com a chave do lado de fora, não conseguia rodar a chave novamente e nós também não conseguíamos sair. A janela estava aberta mas tinha um mosquiteiro, e foi todo um filme até o conseguirmos tirar. O Matias andava felicíssimo, claro, a dizer que ia 'dormir na rua'. Saímos pela janela, mandámos o Matias para dentro de casa e continuámos na nossa vidinha: o Pedro no rés-do-chão a dar o almoço à Gabriela, eu no primeiro andar a desfazer as malas e o Matias no segundo andar a explorar o sótão.
E de repente, aconteceu. Ouvi pum pum pum pum pum pum, e lá veio o Matias a cair pelas escadas abaixo. Diz que estava a tentar fechar uma janela que havia no início das escadas (mesmo ideias à Matias, enfim) e que caiu 'às cambalhotas'. Quando lá cheguei já ele estava aos gritos. Levei-o para a casa-de-banho ao colo e vi logo que tinha ficado com o braço cheio de sangue, por isso de certeza que ele tinha partido a cabeça. Na verdade ele tinha três golpes: um colado ao olho esquerdo, outro na testa à direita e outro no couro cabeludo à direita, este último claramente a precisar de ser suturado.
Ligámos para a Saúde 24, que nos encaminhou para o Hospital da Guarda. E quando pusemos o caminho no Waze... Dizia que demorávamos 1.30h. O Matias a chorar, a queixar-se de um dedo que estava inchado (não parecia partido), a sangrar da cabeça, a ficar prostrado... E o hospital a 1.30h. Vimos que o hospital da Covilhã parecia ficar mais perto (a 1h de viagem) e voltámos a ligar para a Saúde 24, onde nos disseram que afinal podíamos ir para a Covilhã. E arrancámos. Uma hora de viagem pelas estradinhas da montanha, com o Matias a alternar entre chorar ou ficar sonolento e a Gabriela com ar de 'mas o que é que se passa aqui?'.
Quando chegámos ao hospital o Pedro entrou com o Matias e eu fiquei cá fora a passear no parque de estacionamento com a Gabriela. Não sei quanto tempo passou, talvez uma hora ou duas. E de repente ouvi o Matias todo contente, e quando olhei... Ele vinha aos saltos. Aos saltos. Feliz da vida, a contar que lhe deram 'uma máscara com o Mickey' e lhe 'puseram uma cola na cabeça'.
Parámos na Covilhã para comer alguma coisa - eram 17h e nenhum de nós comia desde as 8h, à excepção da Gabriela. E o Matias pediu 'um crepe com gelado de chocolate'. Depois parámos no Continente, onde comprei sopa e arroz de pato para o jantar, e arrancámos para a Casa do Giestal novamente. Quando chegámos o Matias perguntou se podia 'ir ver o rio'. E lá fomos.
Folgo em dizer que os dias restantes decorreram numa normalidade tremenda. Passeámos, molhámos os pés no rio, conhecemos o Piódão, perdemo-nos na Serra, vimos sítios giríssimos. Curtimos muito os nossos filhos, nesta que foi a nossa primeira viagem a quatro. Divertimo-nos todos muito. Voltámos no fim-de-semana e ainda estamos naquele limbo pós-férias. E, finalmente, fizemos as pazes com a Serra da Estrela. Em grande.
|
|
|
|
|
|
|
|