27 de fevereiro de 2020

Coisas que eu vou pensando.

Eu escrevo muita coisa que acaba por ficar nos rascunhos por variadíssimas razões. A mais frequente é sentir necessidade de escrever (ajuda-me a organizar as ideias), guardar para rever noutro dia e depois acabar por sentir que já não é particularmente relevante. Às vezes também acontece achar que não será particularmente útil publicar isto ou aquilo - são opiniões minhas, não são melhores ou mais válidas por serem minhas, provavelmente não estou a acrescentar nada de novo à discussão. Com o tempo o blog acabou por tornar-se uma espécie de registo da minha vida, e se é útil e giro eu ver o que andei a fazer em Fevereiro de 2017 ou com que idade o Matias passou a dormir a noite toda (já a começar a acusar o desespero!), não é tão útil reler o que escrevi sobre temas em relação aos quais sinto que a minha opinião não vai mudar.

Mas hoje recebi um mail que me deixou a pensar. E achei que fazia sentido fazer um intervalo nesta minha postura e partilhar a minha opinião sobre dois temas: o surto de coronavírus e a eutanásia.

Quando se votou a eutanásia no Parlamento, escrevi este texto, que ficou a ganhar pó nos rascunhos:

'Passei os últimos treze anos a aprender a curar e a cuidar. A aprender a investir quando a ciência mo permitia e a confiar no universo quando não havia mais nada a fazer. A discussão sobre a eutanásia não é nova para os médicos - nós falamos disto desde sempre, divididos entre a necessidade de fazer e a aceitação de nada ter a fazer. Mas isto é diferente. Não é uma retirada terapêutica, não é uma ONR. Não é a diferença entre continuar a tentar salvar e deixar morrer. É ajudar a matar.

Passei os últimos cinco anos a não deixar ninguém matar-se. Uma parte significativa do nosso trabalho, especialmente na urgência, implica intervir em crianças e adolescentes com ideação suicida que querem matar-se porque estão doentes. Um dos critérios de exclusão para a realização da eutanásia é a presença de patologia mental, mas eu não sei o que isso é - para os psiquiatras, querer morrer É um sinal de presença de patologia mental.

Dito isto, passei trinta e um anos da minha vida a ser educada de uma forma liberalista (do ponto de vista social, pelo menos). É nisso que acredito. E confesso que me faz alguma confusão ler certos argumentos do pessoal que se manifesta contra a eutanásia.

Por princípio, eu sou contra a eutanásia. Mas fiquei contente pela votação ter sido aprovada. Sabem porquê? Porque as minhas opiniões não são superiores aos direitos de quem está nessa situação. Porque felizmente não sei o que é estar a sofrer ou a ver um familiar sofrer (muito, pelo menos). Porque não me compete a mim decidir que a outra pessoa não tem o direito de morrer, compete a cada um saber o que é melhor para si, com a avaliação correcta de técnicos treinados e especializados.

Hoje os jornais noticiam que na manifestação contra a eutanásia se podiam ler cartazes como 'a vida é um combate, aceita-o', 'cuidar é uma prova de amor ao outro', 'quem ama ou se sente amado, nunca pede para morrer' ou 'matar, só por egoísmo!'. E eu olho para isto e penso que a verdadeira questão que se anda a discutir é esta: será que é legítimo proibirmos os outros de fazer aquilo que nós achamos por princípio não estar certo? É que isso sim, para mim, é egoísmo.

Por isso fiquei contente pela votação ter sido aprovada. Porque independentemente do que eu acho que é o melhor, do conforto da minha cama, de pijama aos corações e com a minha saúde tão intacta como a vida adulta me permite, agora cada um pode optar por aquilo que quer. É livre para isso. Tem esse direito.'

Ler este texto outra vez fez-me perceber que estou na mesma de pijama aos corações, mas agora no sofá. A minha vida é uma animação :)

Já em relação ao coronavírus, não estamos nada preocupados connosco. O vírus dá sintomas semelhantes aos da gripe. Tem uma letalidade superior (em comparação com a de uma gripe 'normal') no grupo de pessoas acima dos 60 anos (80% das mortes registadas ocorreram acima dessa idade) e em pessoas com patologias crónicas pré-existentes (75% das mortes ocorreram nestas situações). Segundo o que se observou até agora (e já temos uma amostra bem simpática), o vírus tende a ser assintomático em crianças, o que elimina logo grande parte das nossas preocupações. Pessoas jovens também tendem a ter quadros ligeiros. Ou seja, estamos muito tranquilos com a nossa situação.

File:Symptoms of coronavirus disease 2019 (cropped).png
A gripe 'normal' também dá tudo isto
Já não estamos tão tranquilos com as consequências sociais e económicas desta epidemia, e lamento informar que também nós já comprámos umas latinhas de leite adaptado a mais, não vá o diabo tecê-las - conheço pessoas que vivem em Macau e nas zonas afectadas em Itália e toda a gente fala desta dificuldade inicial em aceder aos bens alimentares, motivada por uma corrida exagerada às compras após o aparecimento dos primeiros casos. Por isso, e para evitar confusões, tratámos de fazer as compras para o mês todo em vez de para a semana (como é habitual cá em casa). Não fizemos compras para o ano inteiro, mas isto de ter filhos deixa-nos mais precavidos em determinadas situações, e não confio nas nossas capacidades de andar à porrada se for necessário enfrentar multidões furiosas para comprar leites e fraldas.

De resto, estamos a ver o que vai acontecer. A taxa de letalidade do vírus (infectados versus mortos) está agora nos 3.4%, já esteve nos 2.0%. Parece estar a estabilizar na China e a agravar nos outros países, o que é natural e expectável. Não desmarcámos viagens nenhumas e se tudo correr como planeado nos próximos seis meses vamos à Suíça, ao México (até agora a única que já está marcada), à Finlândia e ao Peru, a não ser que haja um aumento muito substancial dos casos nestes países.

Mas pronto, isto somos nós que somos uns despreocupados do pior com doenças. Por outro lado, leio por aí tanta malta super preocupada que achei que também podia ser útil partilhar este ponto de vista :)