No dia antes de partirmos para Svalbard fomos deixar o Mati ao Porto, onde ele ficou com os meus pais, o meu irmão e a minha avó. Enquanto o deitava, eles sentaram-se à mesa com o Pedro. E falaram.
Falaram, falaram, falaram, falaram, falaram. Juro, não fechavam aquelas matracas. E eu com o Mati aconchegado no meu colo, a dar-lhe beijinhos na cabeça, só queria um bocadinho de silêncio.
Quando o Mati adormeceu juntei-me a eles, e durante o jantar eles falaram, falaram, falaram, falaram, falaram. A dada altura perguntaram-me o que se passava: eu, sempre a exercitar o maxilar, estava agora estranhamente calada. Desculpei-me com o cansaço, mas sabia que não era isso. Só queria um bocadinho de silêncio.
Despedimo-nos, entrámos no carro e conduzimos durante uns vinte minutos, só com as músicas do mp3 a interromper os meus pensamentos. E eu percebi que ser pais nos fez isto.
Agora deitamos o Mati e ficamos em silêncio. Fazemos o jantar, numa dança já tantas vezes ensaiada, interrompida apenas pelo 'passa-me o sal' e pelo 'está bom'. Depois arrumamos tudo e eu deito-me no sofá com os pés por cima das pernas do Pedro, que vai trabalhando enquanto me faz festinhas. Em silêncio.
Antigamente aterrorizava-me pensar que um dia as relações chegavam a este ponto. Achava impensável não ter nada para dizer. Não tolerava a ideia de ficar horas em silêncio com alguém.
Agora eu sei que o silêncio diz muito. O silêncio diz 'amo-te'. O silêncio diz 'estou cansada'. O silêncio diz 'quero o meu espaço'. Acima de tudo, o silêncio diz 'passo o dia a ouvir malta, por isso agora quero exercitar a minha comunicação não-verbal, e já não preciso de mil palavras para dizer o que um olhar consegue dizer tão bem'.
Nunca dei tanto valor ao silêncio como agora. Nunca precisei tanto de silêncio como agora.
Será a velhice?