2 de janeiro de 2018

Dez anos de nós.

Era a véspera da nossa viagem para o Porto. Fomos todos jantar a um buraco qualquer com bebida à discrição. Durante o jantar eu e a Joana tirámos umas quatrocentas fotos com caras parvas, e depois fomos ter ao vosso lado da mesa e conversámos sobre assuntos ainda mais parvos.

Mudámos a conversa para a fila de entrada no Loft. As palavras foram surgindo, a fila não se mexia. Conversávamos a quatro sobre os traços que as miúdas mais apreciavam num potencial parceiro.

E tu eras perfeito.




Sabias dizer os imperadores romanos por ordem cronológica. Sabias tocar piano. Sabias tocar aquela música no piano. A tua banda preferida era Linkin Park e partilhavas o meu amor pela Nobody's Listening. Tinhas um rabo bem jeitoso, que tinha chamado a minha atenção daquela vez há um mês em que tinha bebido um copinho a mais.

E eu estava a tentar juntar-te com a Joana.

Desistimos todos da ideia de ir ao Loft e enfiámos oito pessoas no teu carro. Depois, enfiámos oito pessoas na sala minúscula da minha casa nos Anjos. E ali ficámos a disparatar, uns no sofá, outros no chão, outros nas cadeiras, a beber cerveja e a comer pipocas caseiras.

Ficaste deitado no sofá ao meu lado. E aconteceu qualquer coisa.

Cheiravas bem. Eras quentinho. Tinhas a perna a uns dois centímetros da minha, mas eu conseguia senti-la como se estivéssemos enroscados. Eu conseguia sentir-te. Eu conseguia ouvir o teu coração a bater.

E eu tinha namorado.

Ficámos todos juntos até amanhecer. Vimos a Rua Sésamo na RTP2. Depois cada um foi fazer a sua mala e encontrámo-nos na estação de comboio.

Ficaste à minha frente na viagem e eu comecei a achar que olhavas para mim de uma maneira esquisita. Como se soubesses. Como se sentisses também.

Quando chegámos ao quarto vazio da casa vazia em que íamos ficar, o teu saco-cama ficou ao lado do meu. Eu pensei que era uma coincidência, mas hoje sei que não foi. Tu sabias. Tu sentias também.

No dia seguinte estava frio. As minhas mãos, sempre geladas, começaram a ficar roxas. As tuas, sempre quentinhas, ofereceram-se para aquecer as minhas. 'Somos só amigos', repetia eu em loop na minha cabeça. 'Somos só amigos'.

Nessa noite fomos a um bar de jazz, e dessa vez a tua perna já não estava só a dois centímetros da minha. Eu pensei que era uma coincidência e afastei-me. Dois minutos depois, a tua perna estava lá novamente. E eu soube. Eu soube.

Perguntei à Joana se podia ir à casa-de-banho comigo. Mal a porta se fechou, perguntei:

'Tu tens a certeza que não sentes nada pelo Pedro?'
'Tenho' - disse ela. 'Pára de nos tentar juntar, não sinto nada por ele!'.
'Ok. É que eu sinto.'

'O que vais fazer agora?' - perguntou a Joana. 'Acabar com o meu namorado.' - disse eu. Ficámos imenso tempo naquela casa-de-banho. E eu contei-lhe tudo. Falei-lhe do medo de estar a imaginar coisas. Falei-lhe do medo de arriscar. Falei-lhe do medo de trocar uma relação segura e confortável por algo desconhecido. Mal sabia quem eras.

Acabei com o meu namorado nessa mesma noite. E tu sorriste quando vos contei. E eu soube. Eu soube.

No dia seguinte acordei contigo abraçado a mim. Pensei que ainda dormias e dei-te um beijo no antebraço. Tu beijaste-me a cabeça. O despertador tocou.

No caminho para o comboio passaste o tempo todo a fazer-me festinhas. Quando me despedi de vocês, tentaste beijar-me. E eu fiquei em pânico. Não estava preparada. Era demasiado rápido. Era demasiado intenso. Era demasiado.

Passámos as férias do Natal a trocar mensagens, sorrisos e borboletas na barriga. 'Gostas de mim?' - perguntei um dia enquanto nos despedíamos no Messenger. 'Adoro-te.' - respondeste.

No primeiro dia de aulas encontrámo-nos no metro e eu quis que o chão me engolisse. Não sabia o que fazer. Não sabia o que dizer. Fomos estudar para a biblioteca com a Joana, que rapidamente desapareceu. Tu chamaste-me para o corredor de bioestatística e eu quis que o chão me engolisse. Tu ajoelhaste-te com um ramo de flores e perguntaste se eu queria namorar contigo. E eu quis que o chão me engolisse.

E disse que não.

Na verdade, as minhas palavras exactas foram 'Não, não, não me faças isto Pedro, não'.

Beijámo-nos. Era o teu primeiro beijo, mas eu não sabia na altura. Foi terrível. Estamos muito melhores.

Fomos passear e tentar organizar as ideias. Eu tinha acabado de sair de uma relação longa e precisava de algum tempo para perceber o que sentia, por isso decidi propor-te um conjunto de regras. E fui especificando.

'Não sou a tua princesa. Não sou o teu amor. Não sou o teu bebé. Não quero prendinhas a toda a hora. Não quero flores. Não quero andar com bandeiras. Não quero lamechices. Não quero andar sempre às mensagens. Estamos a ver onde isto vai dar e pronto.'

Passámos a noite juntos em tua casa e conversámos a noite inteira. No dia seguinte tentaste dar-me o meu espaço na faculdade e eu não gostei. Senti a tua falta. Vai daí, adequei as regras.

'Se calhar podemos andar com bandeiras.' - disse. 'Mas as outras regras ainda se aplicam.'

Foi tão, tão fácil apaixonar-me por ti.

Passaram dez anos. Dez anos. E continua a ser muito fácil estar apaixonada por ti.

Hoje estamos a anos-luz das pessoas que há dez anos acharam muito ingenuamente que só iam curtir durante uns tempos até aquele fogo todo desaparecer. Hoje o fogo não desapareceu. Hoje, tal como naquele dia há dez anos atrás, continuo a querer beijar-te como se a minha vida dependesse disso e apertar-te o pescoço porque és terrivelmente irritante.

Hoje continuas a deixar-me desesperadamente desconcertada e terrivelmente apaixonada. E fazes-me sentir amada. Todos os dias.

Para sempre.