17 de janeiro de 2017

Cuspir para o ar.

Às vezes há um bocadinho a tentação de olharmos para trás e criticarmos as pessoas que fomos no passado. Porque agora vivemos mais, aprendemos mais, sabemos mais. Porque agora estamos mais maduros. Porque agora temos opiniões diferentes, baseadas naquilo que a experiência de vida nos foi mostrando.

Eu confesso que gosto imenso de olhar para trás. Gosto genuinamente de ler coisas que escrevi no passado e olhar para aquilo não como um conjunto de parvoíces, mas como uma prova do quanto a vida me ensinou entretanto. E por isso não acho que 'cuspir para o ar' seja assim tão mau: afinal, reflecte algo que nos fez sentido em determinada altura e que entretanto deixou de fazer porque amadurecemos.

Quando andava à procura de creches lembro-me de uma em particular em que a senhora que nos atendeu começou com aquele discurso do costume de 'os pais de hoje em dia etc etc são péssimos etc etc quando os pais punham os filhos a trabalhar no campo a partir dos cinco anos ou lhes davam porradas de cinto é que era bom etc etc' (esta última parte a senhora não disse, mas é sempre o que dá vontade de responder). A senhora dava como exemplo o facto de alguns pais por vezes tirarem férias e deixarem os filhos na creche na mesma, quando podiam estar a passar tempo de qualidade com eles.

É óbvio que para mim aquilo foi logo um BIG NO (até porque este tipo de considerações irrita-me profundamente), mas na verdade fiquei a pensar naquilo. Eu nunca iria tirar dias de férias e deixar o meu filho na creche. Eu iria aproveitar todos os momentos que pudesse para estar com ele. Certo?

(Tinha um professor na faculdade que gostava de nos perguntar um a um: certo ou não certo?)

Pois, aqui é não certo mesmo.

Daqui a umas (poucas) semanas tenho um exame importante no trabalho. Ora, de dia estou a trabalhar, quando chego a casa aproveito ao máximo os momentos com o Mati, depois de ele ir dormir fazemos o jantar, adiantamos as comidinhas dele (sopas, papas, frutas ou pratinhos), arrumamos a casa, preparamos as coisas para o dia seguinte e relaxamos um bocadinho... E com isto tudo não tenho tempo para estudar. Gostava, mas não tenho. Vai daí, decidi fazer algo que sempre achei impensável: tirei a semana antes do exame e vou ficar de férias em casa a estudar. E durante essa semana o Matias vai para a creche. Talvez o vá buscar mais cedo (embora o Pedro o vá buscar às 16h, o que é uma hora bastante boa), mas vou levá-lo na mesma. Sei que com ele em casa simplesmente não vou estudar tanto, e por isso tive de fazer uma opção que me teria horrorizado há uns meses atrás quando cuspi para o ar.

Por um lado, confesso que isto me assusta um bocadinho. Será que isto vai acontecer com outras situações em relação às quais cuspi para o ar, inclusivamente com questões com as quais sou mesmo intransigente (assim de repente ocorrem-me as palmadas - com as quais assumidamente não concordo -, a questão da alimentação - em que assumo que terei de aprender a ser mais relaxada - e a importância da manutenção das rotinas)?

Por outro lado, há uma certa tranquilidade em saber que as minhas opções vão mudando e que eu vou mudando com elas. Que entretanto vivi mais, aprendi mais e sei mais. Que agora estou mais madura. Que tenho opiniões diferentes, baseadas naquilo que a experiência de vida me foi mostrando.

Que as certezas de hoje vão ser erros amanhã e que os erros de hoje vão parecer menos graves um dia. Mas, acima de tudo, que sou hoje um bocadinho melhor mãe do que ontem. Mesmo que seja um bocadinho pior do que amanhã.