27 de fevereiro de 2015

Diabetes Mellitus - Um testemunho (Guest Post)

O meu nome é Mariana, tenho 20 anos, sou estudante de dia e blogger de noite :) Tento pelo menos! Estou no 2º ano de Medicina na Universidade de Coimbra. Filha do meio, rabujenta por natureza e com uma paixão enorme por culinária e gastronomia. A par de ser uma boa médica, o meu maior sonho é viajar pelo mundo inteiro. Para além destas coisas todas, sou também diabética!

Descobri que tinha diabetes mellitus tipo 1 há dois anos, durante a minha primeira época de exames na Faculdade. A maneira como descobri foi um bocadinho fora do comum!

Na altura era estudante de Medicina Dentária e andava a ter aulas de Bioquímica. Durante o estudo para essa cadeira aprendi algumas coisas básicas sobre a diabetes, nomeadamente os sintomas: aumento da sede, aumento do volume da urina consequente, aumento do apetite e perda de peso.

Durante o semestre o apetite tinha aumentado drasticamente, eu comia como um atleta olímpico mas também sempre fui bom garfo, era época de exames (só se estuda, dorme e come) e por isso não estranhei. Mas também não aumentava de peso! O melhor dos dois mundos, só que não… Foi nas duas semanas anteriores à minha hospitalização que notei o aumento brusco da sede. Ver um copo de água à frente era como ver uma miragem do paraíso, literalmente. Tanta sede! Dormir 5h seguidas à noite era impensável pela quantidade de vezes que tinha de fazer uma visita à casa de banho. Até que comecei a dizer em voz alta e toda a gente me ralhava 'Eu devo estar diabética!'.

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Um dia, antes de começar mais uma maratona de estudo e decidida a acalmar a minha cabeça, resolvi medir a minha glicémia em jejum com o glicómetro do meu avô que tem diabetes mellitus tipo 2. 300 apareceu no ecrã da maquineta! Suspirei e pensei 'Pronto, este aparelho está avariado, o velhote deve ter isto tudo descalibrado mas, pelo sim pelo não, vamos lá fazer uma visitinha ao Hospital'.

Chegada às urgências do Hospital, com a minha pulseirinha amarela, entro no gabinete do médico e digo 'Sr. Doutor, eu acho que tenho diabetes'. O médico franze o sobrolho e olha para mim com aquele ar de 'olha-me esta armada em Dr. House' e faz-me uma série de perguntas. Testa-me a glicémia e outra vez 300!

Fez ainda um outro teste que mede a hemoglobina glicada. Este dá uma ideia melhor de como estiveram os níveis de glicémia nos últimos 120 dias (tempo médio de vida do glóbulo vermelho). E o meu resultado estava também fora do normal.

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A partir desse momento, a minha vida mudou, não vou dizer que não, seguiu-se uma semana de internamento em que a equipa de enfermagem me ensinou a usar as canetas, o glicómetro e a contar equivalentes.

Hoje em dia faço cerca de seis medições da glicémia (pequeno-almoço, meio da manhã, almoço, lanche, jantar e antes de ir dormir) e seis administrações de insulina (antes de cada refeição insulina rápida, ao meio da manhã não faço porque como só um iogurte e uma antes de dormir de insulina lenta). Por isso na minha mala, para além dos óculos de sol, agenda, telemóvel e as tralhas do costume estão também as canetas de insulina, glicómetro e uma bolsinha com agulhas e lancetas que me acompanham para onde quer que vá.

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As mudanças não passaram só pela artilharia pesada que carrego, mas também por mudanças alimentares. Eu não deixei de comer doces, nem pizza, nem hambúrgueres. Como-os na mesma justamente porque consigo gerir muito bem isto tudo, menos vezes do que antes é certo e já sei que isso requer uma dose extra de insulina. Tento sempre comer pão de mistura ou de centeio e sei que as favas, o grão de bico e os feijões são muito melhores para mim, mas também como massa, arroz e batata. As favas já são mesmo um desafio. Não gosto, torço logo o nariz.

Já a introdução do exercício físico tem sido mais chata, andei no ginásio e conseguia ir sempre duas ou três vezes por semana mas entretanto meteu-se a época de exames e a Neuroanatomia (que monstro!) e eu nunca mais lá fui. Mas agora estou decidida a fazer umas caminhadas diárias, pelo menos durante trinta minutos, porque sei o bem que me faz.

cute type 1 diabetes quotes - Google Search

Apesar disto tenho conseguido manter um controlo muito bom desde o primeiro dia, nunca mais tive uma hemoglobina glicada acima de 6 desde então.

Nunca deixei que me afectasse muito, sou igual a toda a gente, só tenho que me picar antes de comer e não tenho qualquer vergonha de o fazer seja à frente de quem for. A diabetes obrigou-me a ter mais consciência de que derreter uma tablete milka ou um pacote de batatas fritas não é só mais uma asneirinha na dieta… De que mais uma tarde sentada no sofá, não é só mais uma tarde de preguiça... Essencialmente mostrou-me que posso e tenho que fazer melhores escolhas.

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Às vezes é chato, ter que ir ao quarto buscar o glicómetro e as canetas antes de começar a jantar. Às vezes é chato não poder comer um balde inteiro de gelado. Mas é o melhor para mim. Ter diabetes, no fundo, até foi bom. E se não é um pacote de gomas que me pode deixar mais doce, os amigos, o namorado e a família deixam :)

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Mariana Santos está neste momento no segundo ano do mestrado integrado em Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. É autora do blog 'Chocolate a dobrar'. E eu devo-lhe um enorme agradecimento por ter aceitado contribuir para a semana da diabetes :D