Descobri que tinha diabetes mellitus tipo 1 há dois anos, durante a minha primeira época de exames na Faculdade. A maneira como descobri foi um bocadinho fora do comum!
Na altura era estudante de Medicina Dentária e andava a ter aulas de Bioquímica. Durante o estudo para essa cadeira aprendi algumas coisas básicas sobre a diabetes, nomeadamente os sintomas: aumento da sede, aumento do volume da urina consequente, aumento do apetite e perda de peso.
Durante o semestre o apetite tinha aumentado drasticamente, eu comia como um atleta olímpico mas também sempre fui bom garfo, era época de exames (só se estuda, dorme e come) e por isso não estranhei. Mas também não aumentava de peso! O melhor dos dois mundos, só que não… Foi nas duas semanas anteriores à minha hospitalização que notei o aumento brusco da sede. Ver um copo de água à frente era como ver uma miragem do paraíso, literalmente. Tanta sede! Dormir 5h seguidas à noite era impensável pela quantidade de vezes que tinha de fazer uma visita à casa de banho. Até que comecei a dizer em voz alta e toda a gente me ralhava 'Eu devo estar diabética!'.
Um dia, antes de começar mais uma maratona de estudo e decidida a acalmar a minha cabeça, resolvi medir a minha glicémia em jejum com o glicómetro do meu avô que tem diabetes mellitus tipo 2. 300 apareceu no ecrã da maquineta! Suspirei e pensei 'Pronto, este aparelho está avariado, o velhote deve ter isto tudo descalibrado mas, pelo sim pelo não, vamos lá fazer uma visitinha ao Hospital'.
Chegada às urgências do Hospital, com a minha pulseirinha amarela, entro no gabinete do médico e digo 'Sr. Doutor, eu acho que tenho diabetes'. O médico franze o sobrolho e olha para mim com aquele ar de 'olha-me esta armada em Dr. House' e faz-me uma série de perguntas. Testa-me a glicémia e outra vez 300!
Fez ainda um outro teste que mede a hemoglobina glicada. Este dá uma ideia melhor de como estiveram os níveis de glicémia nos últimos 120 dias (tempo médio de vida do glóbulo vermelho). E o meu resultado estava também fora do normal.
A partir desse momento, a minha vida mudou, não vou dizer que não, seguiu-se uma semana de internamento em que a equipa de enfermagem me ensinou a usar as canetas, o glicómetro e a contar equivalentes.
Hoje em dia faço cerca de seis medições da glicémia (pequeno-almoço, meio da manhã, almoço, lanche, jantar e antes de ir dormir) e seis administrações de insulina (antes de cada refeição insulina rápida, ao meio da manhã não faço porque como só um iogurte e uma antes de dormir de insulina lenta). Por isso na minha mala, para além dos óculos de sol, agenda, telemóvel e as tralhas do costume estão também as canetas de insulina, glicómetro e uma bolsinha com agulhas e lancetas que me acompanham para onde quer que vá.
As mudanças não passaram só pela artilharia pesada que carrego, mas também por mudanças alimentares. Eu não deixei de comer doces, nem pizza, nem hambúrgueres. Como-os na mesma justamente porque consigo gerir muito bem isto tudo, menos vezes do que antes é certo e já sei que isso requer uma dose extra de insulina. Tento sempre comer pão de mistura ou de centeio e sei que as favas, o grão de bico e os feijões são muito melhores para mim, mas também como massa, arroz e batata. As favas já são mesmo um desafio. Não gosto, torço logo o nariz.
Já a introdução do exercício físico tem sido mais chata, andei no ginásio e conseguia ir sempre duas ou três vezes por semana mas entretanto meteu-se a época de exames e a Neuroanatomia (que monstro!) e eu nunca mais lá fui. Mas agora estou decidida a fazer umas caminhadas diárias, pelo menos durante trinta minutos, porque sei o bem que me faz.
Apesar disto tenho conseguido manter um controlo muito bom desde o primeiro dia, nunca mais tive uma hemoglobina glicada acima de 6 desde então.
Nunca deixei que me afectasse muito, sou igual a toda a gente, só tenho que me picar antes de comer e não tenho qualquer vergonha de o fazer seja à frente de quem for. A diabetes obrigou-me a ter mais consciência de que derreter uma tablete milka ou um pacote de batatas fritas não é só mais uma asneirinha na dieta… De que mais uma tarde sentada no sofá, não é só mais uma tarde de preguiça... Essencialmente mostrou-me que posso e tenho que fazer melhores escolhas.
Às vezes é chato, ter que ir ao quarto buscar o glicómetro e as canetas antes de começar a jantar. Às vezes é chato não poder comer um balde inteiro de gelado. Mas é o melhor para mim. Ter diabetes, no fundo, até foi bom. E se não é um pacote de gomas que me pode deixar mais doce, os amigos, o namorado e a família deixam :)
Mariana Santos está neste momento no segundo ano do mestrado integrado em Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. É autora do blog 'Chocolate a dobrar'. E eu devo-lhe um enorme agradecimento por ter aceitado contribuir para a semana da diabetes :D