19 de novembro de 2019

A história incrível do meu segundo parto.

No Sábado à noite comecei a ter contracções de sete em sete minutos. Não eram nada do outro mundo, eram só uma espécie de desconforto. Abrandaram substancialmente quando fui dormir, e tenho ideia de ter acordado umas duas ou três vezes durante a noite com contracções.

Mal acordei no Domingo comecei logo a ter contracções de três em três minutos. Mais uma vez não eram nada de especial, por isso fui para o banho e não liguei muito. O Pedro ficou todo entusiasmado e ligou logo à mãe dele para ela vir andando para Lisboa, mas eu estava mesmo com o feeling que ia tudo abrandar em breve. Fomos tomar o pequeno-almoço ao Choupana na paz do Senhor. Quando voltámos para casa, e face ao facto das contracções não estarem a ir a lado nenhum, optei por dizer aos meus pais para irem fazendo as malas e para virem andando para Lisboa nas calmas. Uma grande parte de mim achava que não ia acontecer rigorosamente nada.



Chegámos a casa e eu dediquei-me à nossa vida de Domingo do costume: arrumar e ver filmes de bonecada. Almoçámos, tomei banho novamente e passei a tarde a pastelar no sofá, sempre com contracções regulares e cada vez mais dolorosas (mas toleráveis). Avisei a minha obstetra com a seguinte mensagem:

'Olá Mariana! Estou com contracções desde ontem à noite, começaram de sete em sete minutos, acalmaram durante a noite (acho eu, pelo menos consegui dormir) e agora estão de três em três minutos. São dolorosas mas nada de especial mesmo, não sinto vontade de me atirar para o chão nem nada. Ou seja, não sinto que deva ir para o hospital. Posto isto, devia ir para o hospital?'

A Mariana disse que eu iria saber quando fosse a altura de ir para o hospital, e continuámos em contacto. A dada altura na conversa ela sugeriu que eu fizesse um bolo para comermos as duas quando chegasse ao hospital, e eu achei que até podia ser boa ideia mexer-me um bocadinho. Decidi fazer um bolo de chocolate. Começou aqui a fase a que carinhosamente chamo 'desejo de falecer'. Não sei se foi estar de pé, bater o bolo ou andar na cozinha de um lado para o outro, mas o facto é que a partir deste momento as minhas contracções começaram a ficar muito mais dolorosas. A dada altura comecei a ter contracções a todos os minutos e ainda temi ter de deixar o bolo para trás, mas lá me fui aguentando. Os meus pais chegaram e levaram o Matias e nós pegámos no bolo e na mala e arrancámos para o hospital.

Chegámos ao hospital às 19h e nesta altura o meu desejo de falecer estava instaladíssimo. A enfermeira perguntou-me se eu queria epidural e sinceramente só me faltou chorar quando disse que sim. Mesmo assim a anestesista ainda demorou cerca de uma hora a chegar, e esta foi a fase mais difícil do trabalho de parto para mim, com contracções super dolorosas e praticamente constantes. Eu sei que muita gente prefere mexer-se durante as contracções (andar, estar na bola de pilates, dançar, fazer agachamentos), mas eu só conseguia mesmo estar deitada em posição fetal a gemer e a reavaliar as minhas opções de vida.

Depois de levar a epidural houve um período de grande acalmia. Continuei com contracções todos os minutos e sentia uma pressão enorme, mas não tinha grande dor associada (só um certo desconforto). E quando uma das enfermeiras veio avaliar a minha dilatação... Tinha dois dedos (em dez).

Senti-me defraudada. Como assim, dois dedos depois de um dia inteiro a ter contracções? 'Claramente o meu colo odeia-me', pensei eu. Já íamos preparados para isto: no parto do Matias também demorei imensas horas a fazer a dilatação, e na altura até tive de levar oxitocina. Vai daí, ligámos um dos cinco filmes que tínhamos trazido no portátil (neste caso o Parasitas) e começámos a ver, com alguns intervalos pelo meio para descansar. Estávamos agora plenamente convencidos que a Gabriela iria nascer só na manhã do dia seguinte.

Por volta das 23h voltei a sentir dores e pedi para fazer um reforço da epidural, e quando a enfermeira viu a minha dilatação disse muito rapidamente:

'Já tem oito dedos, vou chamar a médica. Não faça força.'

'Como assim?' - pensei eu. Senti imensas coisas ao mesmo tempo. Medo. Ansiedade. Alegria. Arrependimento. Senti que não estava claramente preparada para o que ia acontecer. Senti que estive toda a vida a preparar-me para aquele momento.

Uns cinco minutos depois a bolsa rompeu. Quando a Mariana chegou eu andava a passear pelo quarto. Ela deu-me uma dica brilhante: quando sentisse as contracções, e agora que ela já lá estava, efectivamente fazer força ajudava a aliviar as dores. E foi exactamente isso que comecei a fazer: sempre que tinha uma contracção fazia força (nada daquelas cenas à filme, era mais uma espécie de concentração na região e mini-forcinha pequena mas constante).

Numa dessas contracções senti claramente a Gabriela a encaixar. Chamei a Mariana, deitei-me na cama, ri-me de qualquer coisa que a Mariana disse e ela mal olhou para mim disse 'com essa gargalhada a Gabriela acabou de coroar, estou a vê-la daqui'.

Seguiu-se uma grande azáfama. Eu estava no quarto e não no bloco de partos, por isso de repente vi-me a ser transportada por enfermeiras que corriam pelo corredor, perdi o rasto ao Pedro e desatei a rir e a chorar ao mesmo tempo. Entrei no bloco, as enfermeiras apontaram para a cadeira do parto e pediram para eu ir para lá e eu só pensei 'pois, claramente isso não vai acontecer'.

A Mariana entrou, seguida do Pedro, olhou para mim e disse 'já vejo a cabeça da tua filha, queres tirá-la?'. Eu toquei-lhe na cabeça e senti-lhe os cabelinhos. Depois fiz mais uma mini-força (juro que tusso com mais força do que aquela que fiz) e a Gabi saiu para as minhas mãos.

 
Puxei-a, pu-la em cima de mim, chorei e ri ao mesmo tempo. Ficámos ali imenso tempo. Eu a olhar para ela, o Pedro a olhar para nós, as enfermeiras a conversar connosco, tudo muito feliz e animado. Eventualmente a Mariana cortou o cordão, tirou a placenta (também foi super fácil) e eu e a Gabriela ficámos ali, uma contra a outra, a conhecermo-nos.


Depois perguntei se me podia levantar (até porque tinha a cama toda suja e achei que seria mais prático) e as enfermeiras ficaram a olhar para mim como se eu estivesse maluquinha da cabeça. Levaram-me novamente para o quarto, amamentei e duas horas depois do parto vestimos a Gabriela e eu fui tomar um belo banho que me soube pela vida. Nas horas seguintes fiz a minha vida normalíssima, e tal como aconteceu da primeira vez, também desta tive uma recuperação espectacular e tenho feito a minha vida normal e autónoma sem qualquer chatice (e desta vez nem sequer tive episiotomia, por isso estou aqui impecável mesmo).

O parto do Matias já tinha corrido bem, mas o da Gabriela foi simplesmente indescritível. E se no dele a primeira coisa que pensei quando o vi foi 'é o meu bebé', no da Gabi não pensei em rigorosamente nada: em vez disso, senti. Senti-me mulher, senti-me fêmea, senti-me invencível. Foi tudo (e por favor façam aqui uma pausa dramática) terrivelmente instintivo. A Mariana ficou literalmente a observar enquanto eu paria. Centenas das minhas antepassadas pariram com sucesso na história da evolução até chegarmos a mim, e eu senti esse poder naquele momento. Um dia a Gabriela irá parir também (esperemos, eu cá acho uma pena desperdiçar estes belos genes, mas é uma decisão dela). Tudo ligado, tudo a fluir, tudo natural. A natureza perfeita.


O Pedro ficou em êxtase e achou tudo brutal. Acredito que ver (afinal, ele estava literalmente a olhar para a situação) tenha sido extraordinário, e estamos ambos envoltos numa espécie de aura de incredulidade que ainda não passou.

A Gabriela nasceu no dia 18 de Novembro às 2.09h, com 3570g e 49.5cm. Uma riqueza de bebé, com cara de bolacha Maria, triplo queixo e montes de preguinhas. Tal como o Matias, um belo de um Apgar 10/10. Ficámos internadas 36h, tivemos alta e já estamos em casa. Arrumámos as coisinhas, demos banho aos dois miúdos, deitámo-los, pedimos sushi para o jantar e agora estamos a pastelar no sofá. Tudo ligado, tudo a fluir, tudo natural.


Estamos todos bem. Estamos todos felizes. O Matias está a reagir melhor do que esperávamos mesmo nas nossas expectativas mais ambiciosas e está histérico com a irmã, a quem chama 'a minha pequenina' (ufa, pelo menos não é bebécona). Nós estamos apaixonados um pelo outro, pelos nossos filhos, pela nossa bebé, pela nossa vida e por aquilo que vivemos ali.

Eventualmente com mais calma vou falar da minha experiência a parir no privado. Também vou falar do facto da amamentação já ter ido para o galheiro (tivesse eu tanto jeito para alimentar os meus filhos como para pari-los e a minha vida era bem mais fácil). Vou continuar a falar das nossas rotinas, da nossa vida, das nossas coisinhas do costume.


Mas por agora, vamos simplesmente aproveitar a nossa bebé bolacha, o nosso miúdo crescido e a nossa família linda.

Muito, muito obrigada por estarem desse lado.

(As fotos foram tiradas pela Célia, como de costume. Estão brutais, como de costume.)