Em muitas coisas, o Pedro é um pai mais preocupado do que eu. Ser pedopsiquiatra traz-me algumas preocupações, sem dúvida (o Pedro não tem angústias com filhos abusados ou auto-mutilações, por exemplo), mas também traz uma grande tranquilidade em relação a muitas coisas, nomeadamente o desenvolvimento. No ano passado quando o Pedro achou que estava na altura de desfraldar o miúdo (tinha ele dois anos e um mês) eu estava tranquilíssima, sem qualquer pressão, porque sabia que era cedo e que possivelmente não iria correr bem à primeira e teríamos que dar um passo para trás.
Estava enganada, porque correu tudo bem.
Entretanto passou um ano, e a preocupação do Pedro passou a ser o desfralde da noite. O Matias não usa fralda durante o dia, mas usa fralda para dormir à tarde e à noite, e não só usa como frequentemente encharca as fraldas ao ponto de molhar a roupa. Eu não podia estar menos preocupada com isso, acho que é cedo, os miúdos têm todos os seus timings e por aí fora. Mas também empatizo com esta preocupação do Pedro, e por isso um destes dias quando ele me perguntou estratégias para lidar com o desfralde partilhei algumas das que usamos nas nossas consultas.
Uma das estratégias mais usadas e baseadas em teorias cognitivo-comportamentais implica fazer umas tabelas com os dias da semana, onde se desenha um sol se não houver xixi de manhã e uma nuvem com chuva se houver. No fim da semana podem ser combinadas recompensas ou consequências, dependendo do número de sóis e nuvens.
É óbvio que o Pedro achou isto a maior tontice de sempre, e disse algo que me deixou a pensar:
'Mas como é que vamos combinar uma recompensa com o Matias? Ele já tem uma vida espectacular!'.
De facto, o Matias tem uma vida do caraças. Acorda quando quer (o que geralmente é entre as 7.30h e as 9.00h, dependendo dos dias), come o pequeno-almoço que ele escolhe (há dias em que pede leite frio, outros em que pede leite natural, outros em que quer pão com queijo, outros em que quer tortilhas), leva sempre o brinquedo que quer para a escola (mas só um, embora ele todos os dias peça para levar mais) e passa o dia a brincar com os amigos. Vamos buscá-lo à escola cedo. Quando pede para ir ao parque, vamos. Quando pede pão quando chegamos a casa, nós damos. Brinca à vontade dele até à hora do jantar. Come coisas boas (ainda ontem comeu sopa de grão - que ele adora -, feijoada de peru - que ele adora - e banana - que é a fruta preferida dele). Brinca com pistolas de água no banho. Lemos a história que ele escolhe todos os dias.
Às vezes tenho medo de perturbar este equilíbrio tão bom, introduzindo nesta equação outro elemento. Mas o Matias parece estar a reagir à nossa tranquilidade com a mesma felicidade de sempre. E os dias vão correndo ao ritmo dele, cada um com os seus medos, mas com a certeza de que estamos a fazer isto mais ou menos bem.
No fim-de-semana o Matias tentou trepar a uma árvore no parque. Escorregou e arranhou a cara toda. Ontem voltámos ao parque e ele quis tentar novamente. Desta vez conseguiu sentar-se entre dois ramos (com a nossa ajuda, obviamente). E a cara de felicidade dele dizia tudo naquele momento, a sério.
Como é que recompensamos um miúdo que já é tão feliz?