O Matias tinha três dias quando passámos a noite no hospital, com um filho desidratado e hipoglicémico nos braços. Nas horas que se seguiram ao nosso segundo regresso a casa tivemos que lidar com uma enorme quantidade de emoções e medos. Começámos a fazer o luto da amamentação. Precisámos de obrigar o nosso filho a comer 30ml de leite de duas em duas horas. Tentámos desesperadamente fazer a bomba extractora de leite funcionar, mas eu não tinha leite nenhum. Aproveitámos todos os momentos de sesta do Matias para descansar em conchinha. O Pedro cansado. Eu com um braço partido. O Pedro preocupado. Eu com uma deiscência da sutura da episiotomia. O Pedro esgotado. Eu esgotada.
No fim desse dia decidimos dar banho ao Matias. O primeiro banho dele em casa. Enchemos a banheira que tínhamos comprado (e que fazia parte de um móvel com banheira, muda-fraldas e gavetas), demos banho ao miúdo, começámos a vesti-lo... E quando abrimos a gaveta para tirar uma fralda, reparámos que as fraldas estavam encharcadas.
A banheira estava mal fechada, e a água estava lentamente a sair para as gavetas.
A primeira gaveta, onde tínhamos os produtos de higiene, estava encharcada. A segunda, onde tínhamos umas trinta fraldas, estava encharcada. A terceira, onde tínhamos as toalhas de banho, estava já bastante molhada. A quarta, onde tínhamos as mantinhas, estava apenas ligeiramente húmida. E nós tínhamos um filho recém-nascido nu nos braços.
Secámos tudo com uma toalha. Deitámos todas as fraldas ao lixo. Pusemos as mantas e as toalhas a secar. Limpámos os produtos de limpeza. E depois eu sentei-me no chão, com o Matias ao colo, e comecei a rir às gargalhadas. O Pedro juntou-se a mim, e passado algum tempo eu disse-lhe:
'Sabes, acho que se não desistimos de ser pais neste momento, não vamos desistir nunca.'
Depois disso tivemos momentos obviamente bem complicados como pais. Mas nesses momentos eu lembro-me sempre de nós, sentados no chão do quarto de um filho que tínhamos acabado de conhecer, rodeados de gavetas a secar e toalhas molhadas, cheios de dores no corpo e na alma e a rirmos abraçados da parvoíce de termos fechado mal a banheira.
E confesso que é uma das minhas memórias mais felizes.