28 de abril de 2020

Páscoa 2020 #3

Há algumas semanas falava com alguém que me disse 'com isto tudo até vais voltar ao trabalho feliz'. Disse que não. Já aqui o escrevi e volto a escrever: para mim, estar em casa com os meus filhos durante 24 horas, a vê-los crescer e serem felizes e autónomos é o maior privilégio da minha vida, e não trocava isto por nada. Se pudéssemos sair, eu era o apogeu máximo da felicidade. Nunca se colocou na nossa cabeça a possibilidade do Matias ficar em casa porque consideramos que é vantajoso para ele ir para a creche, socializar, vincular-se a outras pessoas e aprender coisas diferentes (hoje dizia-me ele 'mas a Isabel e a Isa dizem que isto são ténis, e tu dizes sapatilhas!'), mas conforme as coisas vão estabilizando no que será uma nova normalidade para todos, temos ponderado a possibilidade de ele ficar em casa até entrar na pré-primária em Setembro. Se tudo correr bem, a partir do meio de Maio vou ficar novamente de licença, desta vez até meio de Agosto, e ficar em casa com os dois começa a parecer uma ideia terrivelmente tentadora.

Claro que há dias difíceis. Fases difíceis. Mas o Matias está um miúdo crescido, curioso e divertido e a Gabriela está um apetite. Se não fosse a peixe-mortice do Pedro eu já estava a ter mais uns quantos miúdos, principalmente agora que a Gabriela dorme a noite toda (é incrível a diferença que isso faz na nossa sanidade, acreditem). Deito-me na cama à noite e penso no nome do nosso próximo filho (agora por mim era Joaquim ou Nicolau e Luísa, claramente), nos disfarces de Carnaval e de Halloween (quando ou se forem três obviamente que vai haver um disfarce de metralhas) e nos temas das festas. E no meio de toda esta nossa nova normalidade, sentimo-nos bem e felizes.

Curiosamente, voltar ao trabalho efectivamente fez-me sentir feliz. Não porque estava a deixar os meus filhos em casa (essa parte foi péssima, e ainda por cima nos dias de urgência já nem os vejo porque quando saio ainda está tudo a dormir e quanto chego eles já foram para a cama), mas porque desde que entrei na faculdade que não sentia tanto orgulho em ser médica. Sabem, a grande maioria de nós não acha que tem uma profissão glorificada. Saímos de casa, fazemos o nosso trabalho, voltamos, fim. É a nossa normalidade. Mas sair para trabalhar fez-me ter, pela primeira vez em muito, muito tempo, orgulho, não só no meu trabalho mas também no dos outros. Se não fosse o distanciamento social juro que andava por aí a dar beijinhos aos seguranças e polícias, aos funcionários dos supermercados, aos trabalhadores dos restaurantes em regime de entregas, aos estafetas, aos carteiros, aos lixeiros, às pessoas que fazem os sites funcionar e nos permitem encomendar cada vez mais coisas online... E, mais perto de mim, aos médicos, enfermeiros, auxiliares, assistentes, pessoas da limpeza e pessoas das cantinas que todos os dias fazem os nossos hospitais funcionarem.

Também dava beijinhos à malta em teletrabalho, a quem tem filhos em casa para gerir, para ensinar, para educar e para amar (muitas vezes em conjugação com o teletrabalho), a quem foi despedido, a quem vive sozinho, a quem se sente sozinho. Como dizia a Liliana num dos textos mais brilhantes que li nos últimos tempos, não estamos todos no mesmo barco, estamos todos na mesma tempestade. Uns com umas dificuldades, outros com outras, mas todos a lutar contra o mesmo inimigo comum.

Também isto passará, tudo passa. Até lá, eu vou dar graças pelas coisas boas que a vida me trouxe, apreciá-las, aproveitá-las. Amá-las. Agradecer muito, muito por elas.

Aqui vão as últimas fotos da Páscoa.


























Mantenham-se seguros :)