22 de outubro de 2014

A dieta paleo e o acne... Por Pedro Rodrigues (Guest Post)

Há mais de uma década que faço tratamentos médicos para o acne e a dermite seborreica apenas com sucesso temporário. Embora a terapêutica de carga com antibióticos como a minociclina tenha geralmente resultados francamente bons, a verdade é que mal inicio o tratamento de manutenção com cremes e champôs os sintomas voltam a aparecer rapidamente.

Um dia decidi ir ao Pubmed (um dos principais sites de artigos médicos) pesquisar quais eram as últimas recomendações a nível do tratamento do acne. E o que descobri não foi particularmente animador.

Em primeiro lugar, embora a minociclina continue a ser na prática usada como primeira linha no tratamento do acne, a sua toma é desaconselhada de forma crónica porque ao longo das últimas décadas têm vindo a ser detectados casos de resistência aos antibióticos nas bactérias causadoras de acne (Propionibacterium acnes) e noutras bactérias mais perigosas (ora bolas!).

Em segundo lugar, e bastante assustador: o acne tem sido apontado como potencial marcador de risco cardiovascular.

Como se pode ver neste artigo, o acne foi associado a dois hábitos dietéticos: o aumento da carga glicémica (calculada a partir da quantidade de hidratos de carbono e do seu índice glicémico) e dos lacticínios insulinotrópicos (isto é, estimuladores da produção de insulina).


Neste artigo os autores apresentam algumas das possíveis explicações moleculares para este fenómeno, às quais eu vos vou poupar. Depois apresentam um conceito a que chamam os 'Milk Giants', aqui abreviados como MG. Os MG são os seguidores da dieta ocidental (nós, portanto) e caracterizam-se por:

* Maior altura;
* Maior IMC;
* Maior frequência de miopia de início juvenil;
* Maior resistência à insulina;
* Maior incidência de diabetes do tipo 2.
* Maior incidência de síndrome metabólica (obesidade, hipertensão, aumento do colesterol e triglicéridos, esteatose hepática, entre outros).

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Em contraponto, indivíduos de tribos que consomem uma dieta do tipo paleolítico (sem cereais ou lacticínios) parecem não ter as características supracitadas dos MG. Foi aqui que comecei a interessar-me pela 'dieta paleolítica' e decidi estudar mais sobre o tema. 

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A partir de 2010 começaram a aparecer artigos relacionando o acne com a dieta, ligando-o não a alimentos específicos (como antes se pensava) mas antes a 'tendências' alimentares. Actualmente a dieta com alta carga glicémica e com consumo de lacticínios (em particular o leite) parece já ser aceite como um factor a ter em conta (não necessariamente causal) no aparecimento e agravamento do acne.

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No sentido de descobrir mais sobre o assunto comecei a fazer pesquisas mais específicas, sempre relacionando com o efeito no acne. É claro que há estudos sobre os efeitos deste tipo de dieta em várias entidades diferentes, mas não era esse, pelo menos de momento, o meu objectivo.

A ligação entre a insulina e o acne parece ser confirmada por esta revisão, concomitantemente com a relação do acne com a hormona de crescimento (influenciada, teorizam os autores, pelos componentes do leite). Deparei-me também com este artigo, que discute as vantagens de dietas muito pobres em hidratos de carbono (<50g por dia).  Mais uma vez o acne está na lista de condições com potencial melhoria com a adopção desta dieta.

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É claro que estes dados ainda não são absolutos, seja porque se tratam de estudos pequenos como este - que mostra a diminuição do acne após dez semanas de dieta pobre em hidratos de carbono - ou porque são estudo restrospectivos (isto é, baseados em dados colhidos anteriormente e com outros objectivos que não esta pesquisa).

Em conclusão, citando este extenso artigo de revisão:

* Nos últimos quarenta anos foram feitos múltiplos estudos sobre a influência da dieta na patogénese do acne. Falta, contudo, a publicação de um estudo intervencionista, aleatorizado, duplo cego, com um grupo de controlo.

* Como ponto de partida, há uma tendência para estudar populações não ocidentalizadas visto estas não terem acne. A sua dieta não inclui alimentos processados, lacticínios, açúcares e óleos refinados e é essencialmente constituída por frutas, vegetais, carne e peixe.

* Os estudos apontam para o aparecimento do acne após a adopção da dieta ocidental nestas populações, eliminando a etnia como o único factor importante da etiologia e reforçando a hipótese da relação dieta-acne.


Fazer estudos científicos credíveis na área da nutrição é extremamente difícil. Idealmente, são precisas centenas ou milhares de pessoas, a seguir estritamente uma determinada dieta e um determinado programa de exercícios (para não ser um factor de confundimento) durante anos ou mesmo décadas. Sem estas características é difícil afirmar peremptoriamente que uma determinada dieta tem ou não benefícios.

No entanto, a verdade é que a pirâmide dos alimentos clássica tem vindo a sofrer alterações consecutivas e a aproximar-se, até certo ponto, das características da alimentação paleo, com a recomendação do aumento do consumo de gorduras e da diminuição do consumo dos produtos lácteos (bem como da ingestão de hidratos de carbono refinados).


Passando à minha experiência em particular durante estas já três semanas de dieta:

Esta não é uma dieta particularmente fácil de seguir. Se por um lado a ideia de comer carne à vontade e ovos ao pequeno-almoço me agrada, por outro eu sempre adorei hidratos de carbono - não necessariamente os doces, mas o pão, o arroz e a massa.

Se eu tivesse fome, coisa que acontecia com alguma frequência, era só fazer um pão com queijo ou uma taça de cereais e o problema ficava resolvido (o que para alguém preguiçoso como eu era perfeito). Esta dieta não me permite fazer isso. Tenho de ter algum planeamento para não ser apanhado desprevenido sem nada para comer (os frutos secos dão-me uma grande ajuda nisso) e tenho de me dar ao trabalho de preparar e planear as refeições com algum cuidado. Uma seca!

Não sinto que tenha ficado com menos ou mais energia e o meu peso manteve-se até agora estável. A nível do acne notei uma grande melhoria na primeira semana. Contudo, concluo agora que foi pura coincidência porque de momento estou absolutamente na mesma. No entanto, tendo em conta que habitualmente se considera que o tratamento do acne (mesmo com comprimidos) demora cerca de seis semanas, essa questão ainda não é particularmente conclusiva.

Só me resta continuar esta experiência por mais algum tempo e pensar que mesmo que não obtenha resultados ao nível do acne ando a fugir dos alimentos processados (que são maus com toda a certeza). It's something!


Pedro Rodrigues tem o mestrado em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa. Está actualmente a integrar o ano comum do internato médico. Encontra-se na terceira semana de dieta paleo e começa a notar algumas mudanças consistentes no seu acne.