28 de fevereiro de 2018

Tenho um filho adolescente e não sabia.

Vejo por aí uma confusão constante entre 'educar um filho' e 'bater num filho'. Na verdade, sempre que se fala dessa temática (que na verdade é uma não-discussão, bater em quem quer que seja é ilegal e imoral), não faltam por aí defensores do argumento 'é por esta razão que os jovens de hoje são tão malcriados, os pais não os sabem educar, uma palmada nunca traumatizou ninguém, etc etc'.

No fundo, creio que a sociedade em geral vê a parentalidade de duas formas opostas: os pais que são rígidos e autoritários e dão palmadas 'quando as crianças merecem' * só escrever isto já me deixa incomodada * e os pais bananões que deixam os putos fazerem tudo e estão a criar ditadores em potência.

O Matias tem quase dois anos e nunca levou uma palmada. Para mim, tratar mal um filho não é uma questão de perder o controlo: no meu dia-a-dia acontecem-me imensas situações que me põem à prova, e não é por isso que desato a bater. Se tenho auto-controlo suficiente para não andar a distribuir galhetas na tromba aos outros, porque perderia o controlo com o meu filho?



No entanto, tanto eu como o Pedro somos incrivelmente autoritários como pais. O Matias está agora em plena * adolescência da infância * e faz birras pelas razões mais inacreditáveis, mas nós somos absolutamente intransigentes. Temos várias estratégias para lidar com o assunto, dependendo da situação, e eu nunca senti necessidade ou vontade de bater ou gritar (o Pedro grita às vezes). E falando com as pessoas que estão à minha volta sinto que por vezes são estas estratégias que lhes escapam, que não lhes ocorrem ou que acham que são menos eficazes do que bater ou gritar. Vai daí, e depois de vocês me terem pedido umas mil vezes, decidi partilhá-las.

Perceber o porquê

Este é o primeiro passo. Pessoalmente detesto a expressão 'manhas'. As crianças não são manhosas, têm necessidades e frequentemente não conseguem expressá-las como nós gostaríamos. Se às vezes nós próprios estamos irritados sem qualquer razão aparente, porque não haveriam os miúdos de sentir o mesmo? Aliás, nós até temos sorte. Quando eu estou aborrecida compro qualquer coisa, como uma bodega qualquer, bebo um copo de vinho ou de gin, choro, reclamo com os outros no trânsito, descarrego na Joana nas aulas do Krav, faço conchinha com o Pedro ou arrumo a casa de uma forma obsessiva até ter a ilusão de que estou no controlo da minha vida. Já os miúdos não têm propriamente um montão de estratégias à disponibilidade deles, por isso sobram... As birras. Todas as birras têm uma razão, e percebê-la é o passo mais importante para controlá-la.

Ficar sentado ao lado do Matias

Esta é possivelmente a estratégia que eu mais uso. Quando o Matias fica frustrado com alguma situação (normalmente são coisas muito totós) e larga num dos seus tantrums (geralmente deitando-se no chão), eu sento-me ao lado dele. Frequentemente ele vem ter comigo e deita a cabeça no meu colo, e eu aproveito para lhe fazer festinhas na cabeça e nas costas sem dizer grande coisa ou a explicar que compreendo que ele se sinta frustrado e que estou ali para o ajudar. Ele acaba por acalmar-se e eu insisto na regra. Se ele volta a fazer birra, repito o procedimento.

Ir embora

Esta também é uma estratégia relativamente usada cá em casa, embora menos do que a primeira. O Matias deita-se no chão a fazer birra e nós saímos da divisão e vamos para outro sítio - eventualmente ele acalma-se e depois vem procurar-nos. Às vezes também resulta ir embora 'da relação', ou seja, começarmos a conversar um com o outro ou a olhar para um livro ou um brinquedo como se fosse a coisa mais interessante do mundo. 

Ciclo asneira - consequência

Esta estratégia resulta lindamente com a alimentação. Ainda hoje o Mati fez birra porque lhe dei meio pão e ele queria o pão inteiro e atirou o pão para o chão. Ele estava na cadeira, por isso eu disse-lhe 'agora a mamã vai vestir-se e já volta'. Ele ficou para lá a reclamar, e quando eu voltei disse-lhe algo do género 'se atirares o pão para o chão novamente vou assumir que não tens fome'. Ele atirou o pão para o chão, por isso eu tirei-o da cadeirinha com toda a calma. Tirei o pão do chão, deixei-o fora do alcance dele e fui para a sala. Ele veio espreitar, e quando me viu sentada no sofá voltou para a cozinha e fechou a porta atrás dele #matiasadolescente. Deitou-se no chão e assim ficou uns tempos, até se acalmar. Pelo meio fui lá dizer-lhe que estava na sala se ele precisasse e que podia ficar na cozinha desde que a porta ficasse aberta. Sem gritos, sem palmadas, com uma consequência clara: não comeu o pão. 

Não voltar atrás

Esta é uma estratégia complexa. Acima refiro que somos bastante rígidos, e de facto por vezes a meio da consequência sinto que estou a 'exagerar' - normalmente em dias em que eu própria estou mais irritada. É frequente pegar no Mati ao colo para o levar para a sala e pensar 'tu é que estás aborrecida, se fosse outro dia terias mais paciência e tentarias durante mais tempo'. Mas nunca volto atrás. Frequentemente até explico ao Matias que estou menos paciente e que talvez esteja a exagerar, mas que faz parte da vida.

E as manhãs?

Aqui eu tenho uma postura muito simples: há lutas que valem a pena e outras que não. Se o Matias não se quer deitar para trocar a fralda, troco-lhe a fralda em pé. Se o Matias não quer lavar os dentes, podem crer que vou ficar a insistir até que ele o faça - nem que demore dez ou vinte minutos. Mas para isso é preciso tempo. Eu sei que não é uma postura muito consensual, mas aqui vai: eu prefiro levantar-me mais cedo ou chegar atrasada ao trabalho do que estar a tentar despachar o miúdo sem paciência para isso, até porque os putos cheiram o medo e nessas alturas ainda fazem espectáculos piores. Eu própria estou de péssimo humor de manhã, por isso percebo perfeitamente se o Matias também estiver e não o apresso. Vou explicando que temos mesmo de fazer as coisas, que a mamã percebe que ele esteja aborrecido, que a mamã também queria voltar para a caminha mas pronto, é a vida e tal. E vamos fazendo as coisas ao nosso ritmo. Prefiro começar as manhãs atrasada e relaxada, do que a horas e a sentir-me irritada.

E em público?

Ah, a grande questão. Há uns tempos fui buscar o Mati à creche e voltámos para casa a pé. Ele ia a andar e a dada altura pediu para ir ao colo. Quando peguei nele ao colo começou a querer ir para o chão, e quando o pousei novamente ele deitou-se no passeio. Assim, sem chorar nem espernear - simplesmente deitou-se na rua com cara de fuck my life.  Eu baixei-me ao lado dele e disse algo do género 'Mati eu percebo que estejas cansadinho e mais irritado, mas quanto mais cedo chegarmos a casa mais depressa podemos brincar ou descansar'. Nada. Entretanto as pessoas iam passando e olhando, e eu comecei a sentir-me incrivelmente auto-consciente. Tentei pegar nele ao colo, mas ele começou a contorcer-se. Sentei-me ao lado dele. Nada. Não podia ir embora porque estávamos na rua e ele ainda é pequenino. Entretanto apareceu uma senhora com um cão que ficou a olhar para ele e perguntou-me se ele estava a fazer birra. Eu disse que sim, e ela tentou distrai-lo com o cão - o que obviamente resultou (Matias <3 ãoãos).

No dia seguinte perguntei no trabalho o que poderia ter feito de diferente, e a resposta foi: não muito. Se estivesse realmente com pressa podia ter-lhe explicado isso e podia ter pegado nele, como não estava foi uma estratégia relativamente adequada. No geral, o Matias faz muito mais birras em casa no que na rua (e quando as faz é sempre em contextos de estar cansado ou muito estimulado, por isso basta pegar nele ao colinho e passa-lhe).

E pronto, é isto. Até agora tem resultado, uns dias melhor do que outros. Na creche já verbalizaram a preocupação com o facto do Matias ser * demasiado bem-educado * (porque espera pela vez dele e obedece ao que lhe é pedido), mas cá em casa ele está a passar uma fase muito desafiante.

E nós continuamos a educá-lo. Sem gritos e sem palmadas. Dá é mais trabalho, isso dá. Mas vale a pena.