15 de novembro de 2016

Ser mais papista que o papa (e as papas do Matias).

Tirei cinco meses de licença de maternidade. Desses, o primeiro foi partilhado com o Pedro, que tirou também um mês de licença no início.

Em Outubro fui trabalhar e o Pedro ficou mais um mês de licença. Entretanto, e como estive de baixa desde Janeiro e ainda não tinha tirado férias este ano, meti um mês inteiro de férias em Novembro e estou em casa. O Pedro voltou ao trabalho. Em Dezembro trocamos: o Pedro fica em casa a tirar todos os dias de férias que também ainda não usou este ano, eu vou trabalhar.

Antes de iniciarmos a diversificação alimentar do Matias conversámos muito sobre o assunto. Sabíamos que ambos precisávamos de acertar agulhas, uma vez que íamos estar sozinhos em casa com ele (e, por isso, éramos responsáveis pela alimentação do miúdo). Percebemos que partilhávamos os mesmos pontos de vista em relação ao que pretendíamos fazer: uma alimentação simples, o mais natural que conseguíssemos, biológica dentro dos possíveis, onde o Matias tivesse tempo e espaço para experimentar novos sabores e novas texturas. E estávamos dispostos a trabalhar nesse sentido.

No entanto, divergíamos em algumas questões. Eu queria comprar cereais integrais em grão, demolhá-los, cozê-los e triturá-los para fazer as papas, o Pedro era da opinião que bastava comprar os cereais já em farinha e fazer as papas. E a dada altura ele disse algo que nunca esqueci:

'Xizinha não podemos ser mais papistas que o papa!'.



Ele é que estava em casa quando o Matias começou a comer papa, por isso no fim a escolha foi dele. Comprámos farinhas de cereais (inicialmente arroz e milho, posteriormente também quinoa) e fazíamos as papas em casa. Usávamos 30g de cereais para cada 150g de água e geralmente fazíamos quatro ou cinco doses de papa, que dividíamos depois nos famosos copinhos da Avent e guardávamos no frigorífico.

Entretanto começámos também a usar a aveia e a juntar fruta nas papas. O Matias come fruta simples todos os dias depois da sopa ao almoço, mas achámos que poderia ser interessante dar-lhe também fruta na papa (até porque ele nunca foi grande fã das papas, e efectivamente era compreensível porque elas não sabiam a grande coisa).

Da primeira vez juntei 120g de flocos de aveia integrais e biológicos (comprei no Brio), 600g de água e duas bananas às rodelas (também biológicas). Levei ao lume e mexi sempre até engrossar. Triturei, dividi em cinco frasquinhos (normalmente estas quantidades dão para quatro doses, mas com as bananas rendeu mais) e levei quatro deles ao frigorífico (congelei um, tenho sempre papas e sopas congeladas para um qualquer imprevisto).

O Matias delirou com aquilo (compreensivelmente, papas de aveia com banana são uma das melhores coisas de sempre). E então continuámos o bom trabalho: da segunda vez (a última papa que fizemos) pusemos 90g de flocos de aveia, 30g de farinha de arroz, 600g de água, uma pêra vermelha e uma pêra rocha.

E fiquei a pensar nisto de sermos mais papistas que o papa. De facto, acho que nisto da parentalidade há muitas vezes a tentação de sermos os melhores, de fazermos tudo perfeito, de atacarmos a questão em várias frentes e de controlarmos tudo. Como isso é impossível (pelo menos para nós é), vamos fazendo o melhor que queremos. Não é o melhor que conseguimos, é o melhor que queremos. Conseguíamos perfeitamente fazer as papas de uma forma perfeita, mas não queremos. Há outras prioridades. Há outras coisas para fazer. Há outras questões para atacar e outras coisas para controlar.

As pessoas acham isto tudo muito estranho. Ainda no Domingo o Bernardo me acusava de ser fundamentalista da alimentação porque disse que não vou dar bolachas Maria ao Matias. Ele até já provou uma bolacha de gengibre que eu fiz com farinha, manteiga, açúcar, ovos e leite, mas no que depender de mim (e de nós) não come bolachas Maria.

É difícil explicar isto a alguém, porque parece um contra-senso. Afinal, o que é que defendemos ao certo? Uma alimentação saudável? Nem por isso. Pretendo que o miúdo tenha contacto com tudo a que tem direito, incluindo as coisas menos saudáveis desta vida. Uma alimentação controlada ao máximo por nós? Também não. Não tenho problemas nenhuns que alguém dê uma bolacha Maria ao meu filho um dia, simplesmente eu não planeio dar - até porque há tantas bolachas tão mais interessantes e saborosas que podemos fazer em casa!

No fundo, acho que aquela frase do Pedro continua a fazer todo o sentido para nós. Não somos mais papistas que o papa. Não fazemos sentido. Não somos perfeitos. Somos incongruentes e incompreensíveis. Somos fundamentalistas da necessidade de errar.

Podíamos fazer as coisas de uma forma mais perfeita? Sim. Mas assim também não estamos mal :)