23 de novembro de 2016

A solidão de ser mãe.

Ser a única mãe do nosso grupo de amigos é uma tarefa incrivelmente solitária.

Se estamos preocupadas com alguma coisa, passamos a ser aquelas histéricas que só se preocupam com os filhos... Mas se relativizamos uma determinada questão que as pessoas acham incrivelmente importante, passamos a ser aquelas irresponsáveis que não se preocupam com questões verdadeiramente úteis.

Se damos papas caseiras, passamos a ser aquelas histéricas que vão ter um ataque se o miúdo comer um Danoninho... Mas se lhe damos queijo de cabra, passamos a ser aquelas irresponsáveis que não têm noção das coisas.

Se vamos de férias com o miúdo passamos a ser aquelas histéricas que não conseguem largar os filhos... Ir de férias sem ele é perfeitamente aceite, toda a gente sabe que os miúdos só atrapalham (embora até sejam fofinhos e tal).



Se estamos completamente concentradas no nosso filho, passamos a ser aquelas histéricas obcecadas com o bem-estar dos miúdos... E é impossível explicar que para mim isto não é uma obrigação nem uma chatice, estar a brincar com o meu filho é a melhor coisa do mundo e o bem-estar dele é realmente a coisa mais importante para mim.

Se impedimos as pessoas de entrarem em nossa casa calçadas, passamos a ser aquelas histéricas preocupadas com a higiene... Mas se lhe damos um boneco para a mão depois de ter caído ao chão na rua, passamos a ser aquelas irresponsáveis cujos filhos vão apanhar todas as hepatites.

Se falamos dos nossos filhos, passamos a ser aquelas histéricas que só falam dos filhos... Devíamos falar das coisas realmente fracturantes e importantes, como o trabalho.

Se mudamos as nossas rotinas por causa do nosso filho, passamos a ser aquelas histéricas que precisam de ser mais descontraídas. Mas se não as mudamos nós é que gramamos com a irritação deles, por isso é a vidinha.

Se falamos de mamas, cocós e sopa pelo chão, a maternidade é nojenta. Se falamos de amor incondicional, sorrisos lindos e pernocas fofas, estamos a passar uma ideia errada da maternidade porque de certeza que ser mãe é a maior chatice do mundo.

Se passamos uma manhã a arrumar a casa, lavar a roupa, cozer pêra para a sobremesa e fazer papa caseira, somos umas tristes sem vida (mas hey, também marquei a minha ida ao cabeleireiro, pelo menos posso arrumar a casa devidamente arranjada). E ninguém percebe que isto é a melhor coisa do mundo, e que durante o mês passado (em que estive a trabalhar) suspirava por estes momentos em que deitava o meu Mati bão para dormir a sestinha e passava uma hora a correr contra o tempo para arrumar tudo.

Não leiam isto como uma crítica aos meus amigos, porque não é de todo. Tal como está aqui a minha versão, também poderia escrever a deles.

Podia falar-vos dos inúmeros telefonemas em que a conversa gira em torno do meu filho. Podia falar-vos do quão irritante estou eu, com toda esta aura de 'eu sou a mãe, eu é que sei'. Podia falar-vos do quão frustrante é querer ir jantar fora e ter ali a outra a dizer que não pode porque o miúdo deita-se às 20.30h, chata do caraças mais a rotina do deitar. Podia falar-vos de quão aborrecido é ter de encarar cada pequena novidade como a coisa mais incrível de sempre. Podia falar-vos do quanto tudo isto é assustador para quem não compreende o que se passa. Podia falar-vos do quanto toda esta sensação é impossível de explicar a quem não é pai.

Ser a única mãe do nosso grupo de amigos é uma tarefa incrivelmente solitária. Ser amigo da única mãe do nosso grupo de amigos também.

Apesar de tudo isto que acabei de escrever, sinceramente não me importo muito (na generalidade dos dias, leia-se). Sei que não é fácil lidar com tudo isto. Sei que exige adaptação. Sei que os meus amigos só fazem e dizem estas coisas porque se preocupam connosco, porque gostam de nós e porque sabem que podem ser honestos em relação ao que pensam e sentem.

Mas também sei que um dia eles tornar-se-ão pais. E garanto-vos que me vou certificar que engolem todas aquelas palavrinhas. Juro, até já ando a praticar a minha 'I told you so face' ao espelho.

Muahuahuahuah.

(Na verdade, desde a semana passada que já não sou a única mãe. A minha amiga Joana - a interna de obstetrícia que me fez o parto, não a interna de pediatria que é a minha madrinha de casamento e a minha melhor amiga - foi mãe. Têm sido uns dias complicados (a bebé nasceu com 31 semanas) mas está tudo a correr bem.)