20 de abril de 2016

Pregnancy Diary #119

Creio já ter contado aqui este episódio, mas a primeira punção venosa que fiz (o vulgarmente designado 'tirar sangue') foi ao Pedro. Estávamos na urgência, eram duas da manhã, todos os nossos colegas já tinham feito punções venosas aos montões e a colega alemã que estava connosco no grupo sugeriu treinarmos uns nos outros: eu no Pedro, ela em mim e o Pedro nela. Eu fui a primeira, e correu tudo tão bem que fui também a última. Uma semana depois o Pedro ainda tinha um hematoma roxo do tamanho de uma bola de ténis, e a colega alemã nunca mais sugeriu nenhuma ideia peregrina do género.

O que nos traz ao dia de ontem.



O Pedro estava a fazer-me a massagem no períneo. A conversa que se seguiu foi mais ou menos assim:

Eu: Olha, já que aí estás não queres ver como é que está o colo?
Ele: Eu via, mas não sei como se faz.
Eu: Então, é igual ao das outras grávidas todas em fim de gestação.
Ele: Pois, mas eu nunca palpei nenhum colo de uma grávida.
Eu: Como? Tivemos obstetrícia duas vezes durante o curso!
Ele: Pois, mas eu sou homem, nunca me deixam fazer nada.
Eu: Bem, de qualquer das formas é semelhante a um colo de uma mulher normal, mas mais mole e possivelmente permeável.
Ele: Pois, mas eu também nunca palpei nenhum colo de uma mulher normal.
Eu: Como? Tivemos medicina geral e familiar três vezes durante o curso!
Ele: Pois, mas eu sou homem, nunca me deixam fazer nada.
Eu: Mas já viste um colo?
Ele: Não.
Eu: Mas sabes como é um colo assim no geral?
Ele: Não. 

Fiquei surpreendida. Aliás, acho que fiquei horrorizada. Nunca tinha reparado que isto acontecia, mas segundo o Pedro parece que é a regra (ou pelo menos foi com a nossa turma) os colegas homens não executarem e muitas vezes nem sequer assistirem aos exames ginecológicos. Como é possível que alguém passe pelo curso e pelo ano comum do internato sem nunca ter visto um colo? Eu vi uns quinhentos! Fiz consultas de planeamento familiar, consultas de saúde materna, consultas de acompanhamento da grávida na obstetrícia, consultas de alto risco e consultas de puerpério. E o Pedro, por ser homem, era simpaticamente convidado a ficar sentadinho ou até a nem sequer aparecer.

Mais estranho ainda é o facto de isto também acontecer com os doentes homens. Isto é, segundo a nossa experiência os homens também pareciam muito mais confortáveis a serem observados por mulheres (por exemplo, quando era preciso fazer o toque rectal e ver a próstata) do que por outros homens (devem sentir-se menos masculinos, possivelmente). Ou seja, estamos a criar uma geração de médicas relativamente experientes nestas áreas (embora eu sempre tenha sido péssima a ver a próstata, independentemente do quanto tentasse) e uma geração de médicos que nunca viram ou palparam um colo ou uma próstata.

É claro que nada disto é particularmente importante. O Pedro é interno de oftalmologia, e todos os colos que vi foram inúteis para a pedopsiquiatria. Mas não deixa de ser uma discriminação injusta, e teria evitado eu servir de cobaia para o Pedro aprender o que é um colo normal numa grávida em fim de gestação.

A nossa colega alemã teria ficado orgulhosa.