10 de março de 2016

Pregnancy Diary #91

Hoje de manhã, enquanto preguiçava na cama e espreitava o Facebook, reparei num artigo do Observador sobre algo a que eles chamavam de 'a violência obstétrica'.

No artigo fala-se de alguém que 'teve de esperar horas pela epidural que tinha dito querer'. Provavelmente isso prende-se com o facto de não haver anestesista disponível no momento ou do trabalho de parto ainda não estar suficientemente avançado. Acreditem, nenhum profissional de saúde quer ter ali uma grávida aos gritos, quando a alternativa é ter uma grávida sem dores e muito mais relaxada.

A mesma pessoa 'ouviu palavras rudes de enfermeiros'. Bem, eu também já ouvi palavras rudes dos mais variados técnicos de saúde. Há quem esteja sem paciência, há quem esteja a ter um dia mau e há quem seja simplesmente um estafermo. Sinceramente, acho que naquele momento há ali coisas bastante mais importantes do que a simpatia da malta que nos trata. No entanto, acredito que quando nos sentimos maltratados podemos - e devemos - apresentar queixa nos locais próprios (eu já o fiz).

O relato de parto desta senhora parece efectivamente complicado, mas nada que eu não tenha já visto várias vezes. E volto a referir: nenhum profissional de saúde quer fazer as técnicas referidas, simplesmente naquele momento a maior prioridade é a saúde do bebé e a maior eficácia do período expulsivo. Não somos sádicos, mas o trabalho de parto muitas vezes não é tão simples e bonito como seria desejável.



Num dos slogans do cartaz da Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e no Parto pode ler-se 'levem-na lá para a cesariana que isto não vai lá de outra maneira'. E eu pergunto-me: onde está ao certo o problema aqui? Se o trabalho de parto não está a progredir como esperado e a equipa médica acha, com base nos treze (ou mais) anos de experiência, que há indicação clara para cesariana, onde está a violência? Devia a mulher ser ouvida? Concordo perfeitamente. Mas, na prática, adianta alguma coisa? Se a mulher não der o seu consentimento, a cesariana é feita na mesma para salvar a vida daquele bebé.

No artigo podem ler-se ainda relatos de incontinência pós-parto (pode efectivamente acontecer, mas na grande maioria dos casos é tratável) ou toques feitos por 'médicos estagiários' para treinarem.

Já passei por isso. Não com toques - ainda não chegou a altura, ufa! - mas com outros procedimentos ginecológicos e obstétricos. Faz parte, e só assim é que os alunos e internos aprendem. Já fui eu, agora são eles. É agradável? Não. Eles percebem muito daquilo? Muitas vezes não. Mas só assim é que passam a perceber. E para vos ser muito honesta prefiro mil vezes ter um aluno a examinar-me com um espéculo, do que ter um especialista que nunca colocou nenhum porque é uma violência.

Acho que muitas vezes as grávidas esperam que os seus trabalhos de parto sejam lindos, cheios de flores e coelhinhos a saltitar, com enfermeiras queridas a distribuir chocolatinhos. Eu própria idealizo o meu parto, faz parte do processo. Mas muitas vezes (a esmagadora maioria das vezes!) isso não corresponde à realidade. Porque pode ser o nosso parto, mas é o 8786382684392103908767º parto da vida daqueles profissionais de saúde. E naquele momento a principal preocupação deles vai ser a nossa segurança e a do nosso bebé.

Isso a mim tranquiliza-me imenso. Não quero palavrinhas bonitas e não quero festinhas na cabeça - quero um parto eficaz e seguro. Se der também para ser bonito, agradeço. Se não, há coisas piores.

É claro que não nego que há por aí malta sapateira a fazer partos. Há maus profissionais em todo o lado, e eu não estou a escrever este texto para de alguma forma desculpabilizar o que é dito no artigo. Também não estou a diminuir o sofrimento das mulheres entrevistadas - afinal, viram as suas expectativas destruídas naquele que é sem dúvida um dos momentos mais importantes da vida de alguém.

Estou simplesmente a falar do outro lado. O nosso lado. Mais do que vitimizar estas mulheres, seria importante informar as pessoas de como se processa um parto. Do que acontece. De que podem recusar alguns dos procedimentos. De que devem fazer um plano de parto. E, acima de tudo, de que é importante confiar nos profissionais de saúde. Porque podemos não ser todos bons, mas também não somos todos assim tão maus.