29 de junho de 2015

Iogurtes de tiramisu para uma profissão igual às outras.

No, you can't always get what you want,
No, you can't always get what you want,
No, you can't always get what you want,
But if you try sometimes, you just might find,
You get what you need.

The Rolling Stones




Disseram-me que, como médica, tinha a vida feita.

Disseram-me que os médicos recebem dez mil euros por mês. Na verdade, recebo pouco mais de um décimo disso.

Disseram-me que os médicos trabalham em três clínicas privadas diferentes. Na verdade, as cinquenta horas semanais que dou ao meu serviço (no hospital público em que trabalho) não me deixam tempo para mais nada.

Disseram-me que os médicos chegam ao hospital às dez da manhã e saem às três para o consultório privado. Na verdade, é frequente chegar ao trabalho às oito e raramente saio antes das cinco da tarde.


Disseram-me que os médicos passam a vida no café e têm duas horas de almoço. Na verdade, aqueço o meu almoço no microondas da sala de reuniões e engulo-o em meia hora.

Disseram-me que os médicos não metem os pés na urgência e têm quem assine por eles. Na verdade, todas as semanas faço doze horas de urgência - das oito às oito, sendo que nunca consigo sair a horas.

Disseram-me que os médicos têm congressos pagos nas Bahamas, mas o congresso nacional da minha especialidade foi em Vila Real e quase não consegui que mo patrocinassem.


Disseram-me que os médicos fazem squash e golf e conhecem todos os restaurantes pomposos da zona. Na verdade, faço umas corridas quando tenho tempo e o meu restaurante preferido é o nepalês de Entrecampos.

Disseram-me que os médicos têm Porsches, casas no Algarve e carteiras da Louis Vuitton. Na verdade, conduzo um Renault Clio, não vou ao Algarve há mais de dez anos e a minha carteira é normalíssima. 


Disseram-me que os médicos andam sempre bonitos e arranjados. Na verdade já não vou ao cabeleireiro há três meses, pinto as minhas unhas em casa e na maior parte dos dias os meus doentes estão mais arranjados do que eu.

Disseram-me que os médicos têm casas enormes com empregada e cozinheira. Na verdade vivo num T3 pequeno e a cozinheira sou eu.

Ouço as pessoas comentarem que sou rica. Que tenho sorte. Que sou favorecida. Que nunca começo uma consulta a horas. Que entrei no curso porque era marrona. Que não quero saber dos doentes. Que me acho melhor que os outros. Que devia conhecer o flagelo do desemprego para dar valor ao que tenho.


E olho à minha volta e questiono-me onde estarão esses médicos ricos de que tanto se fala. Talvez estejam mesmo em congressos pagos nas Bahamas, porque garanto-vos que não estão no meu serviço ou no meu hospital.

Na verdade, sou feliz no meu trabalho. Não fiz esta escolha baseada na ilusão e não desisti dela por causa da realidade. Simplesmente não sou assim tão diferente das outras pessoas, e a minha vida não é assim tão glamorosa como possa parecer.

Quer dizer, faço iogurtes de tiramisu. Isso conta para alguma coisa, certo?


Iogurtes de tiramisu

Ingredientes (para sete iogurtes):

* Um litro de leite fresco gordo;
* Três colheres de sopa de leite em pó magro;
* Três colheres de sopa de açúcar amarelo;
* Um iogurte natural;
* Dez bolachas palitos la reine;
* Quatro cafés.

Confecção:

* Numa panela colocar o leite, o leite em pó e o açúcar amarelo e mexer com uma vara de arames;

* Levar ao lume até ferver e deixar arrefecer;

* Quando estiver morno juntar o iogurte, misturando com a vara de arames;

* Mergulhar as bolachas no café até ficarem moles e incorporar na mistura;

* Colocar em copinhos e levar à iogurteira durante cerca de dez horas;

* Transferir para o frigorífico durante pelo menos quatro horas.


Até amanhã! :D