22 de outubro de 2014

Chips de maçã para 'A' dúvida.

Não consigo dominar este estado de ansiedade.
A pressa de chegar para não chegar tarde.
Não sei de que é que eu fujo, será desta solidão?
Mas porque é que eu recuso quem quer dar-me a mão?

Vou continuar a procurar a quem eu me quero dar,
Porque até aqui eu só quero quem quem eu nunca vi.
Porque eu só quero quem quem não conheci.

António Variações


A consulta começa. Estou no centro de saúde a fazer os três meses de medicina geral e familiar incluídos no meu ano comum do internato médico.

O doente senta-se e olha para mim com um ar inquisitivo, certamente a perguntar-se se terei idade suficiente para ser médica ou se serei um qualquer prodígio da ciência que terminou o curso aos dezoito anos. Olho para o processo e vejo que o senhor é acompanhado pela minha tutora desde 1987. Eu nem sequer tinha nascido e a minha tutora já era médica de família.

O barulho das gotas de chuva que batem contra a janela do gabinete distrai-me. Que horas serão? Quantos doentes faltarão?


Olho em volta e penso como deve ser recompensante ser a médica de família de alguém durante trinta anos. Como deve ser bom assistir do gabinete aos casamentos, aos nascimentos dos filhos e às vitórias pessoais, como uma espécie de anjo da guarda de bata. Como deve ser comovente tratar famílias inteiras, conhecer bem as pessoas e saber as suas histórias e ter o consultório cheio de fotografias dos bebés cujas gravidezes segui.

No hospital é diferente. No hospital não terei um gabinete meu, e o objectivo será dar alta ao doente na primeira segunda ou na terceira consulta. No hospital terei dez ou quinze minutos para cada pessoa e não haverá tempo para histórias. No hospital não serei 'a doutora nome-e-apelido que já me acompanha há uma data de anos e que tem dois filhos e vive ali ao lado do Modelo' mas sim 'aquela médica que anda sempre de bandelete, ai, agora não me lembra o nome dela, também só estou com ela de meio em meio ano'.

No hospital é diferente, mas é lá que tenho que trabalhar se quero ser psiquiatra. E a pouco mais de um mês da escolha continuo perdida e assustada.

Qual é o meu caminho? O que é melhor para mim? Não sei.

Não sei. E tenho muito medo.

E para quem sempre teve a mania que sabia tudo, sentir-me assim é uma grande caca.


Esta insatisfação, não consigo compreender,
Sempre esta sensação que estou a perder.
Tenho pressa de sair, quero sentir ao chegar
Vontade de partir para outro lugar.

Vou continuar a procurar o meu mundo, o meu lugar,
Porque até aqui eu só estou bem aonde eu não estou,
Porque eu só quero ir aonde eu não vou.

António Variações


A consulta acabou, o doente sai do gabinete. A minha tutora levanta-se e começa a beber um iogurte, eu abro a caixinha que tenho no bolso e começo a mordiscar as minhas chips de maçã com um ar pensativo.

A pouco mais de um mês da escolha eu continuo indecisa entre a psiquiatria e a medicina geral e familiar. Longe de me deixar mais esclarecida, este ano só me deixou ainda mais confusa.


Eventualmente terei que decidir e tudo ficará resolvido. No hospital ou no centro de saúde, em psiquiatria ou em medicina geral e familiar, sei que vou apaixonar-me todos os dias por aquilo que faço. Enquanto esse dia não chega só me resta ouvir o barulho das gotas de chuva que batem contra a janela do gabinete e mordiscar as minhas chips de maçã com um ar pensativo.

Tudo ficará bem.


Chips de maçã

Ingredientes:

* Três maçãs Pink Lady (ou outras);
* Três maçãs Granny Smith (ou outras);
* Canela em pó (opcional).

Confecção:

* Lavar as maçãs e cortá-las em rodelas finas com uma faca ou um utensílio próprio;

* Colocar as fatias de maçã em vários tabuleiros cobertos com papel vegetal;

* Polvilhar com a canela em pó;

* Levar ao forno previamente aquecido a 120º e com a ventoinha ligada durante uma hora e meia;

* Deixar arrefecer completamente e guardar numa caixa hermética.

* Em alternativa podem fazer as chips de maçã na Actifry - eu fiz metade delas e é bem mais rápido, embora fiquei menos bonitas :)

Até amanhã! :D