27 de março de 2014

Caracóis de alheira e queijo da ilha para as escolhas simples.

When the days are cold and the cards all fold,
And the saints we see are all made of gold.
When your dreams all fail, and the ones we hail
Are the worst of all, and the blood’s run stale...

I wanna hide the truth, I wanna shelter you,
But with the beast inside, there’s nowhere we can hide.

Imagine Dragons


O meu irmão está agora no 11º ano. Chegou a altura em que toda a gente lhe diz que 'devia ir para medicina como a irmã', mas curiosamente ninguém da família parece particularmente apaixonado por esta hipótese: a começar por mim, confesso.

A verdade é que passo a vida a dizer ao meu irmão que devia ir para gestão.


Não me levem a mal - eu gosto imenso de medicina. Mas se tivesse sido devidamente esclarecida do que realmente ia ser o meu dia-a-dia como médica, honestamente não sei se teria seguido este percurso.

Gostava que alguém me tivesse avisado de que as quarenta horas semanais facilmente se transformam em cinquenta ou sessenta, dependendo dos hospitais. Que há dez doentes marcados por cada hora de consulta (o que dá uma média de seis minutos por doente), e que todos eles vão reclamar por a consulta começar atrasada. Que há por vezes vinte doentes internados na nossa equipa, e que muitas vezes só lá estou eu para os ver a todos. Que há doentes que nos comovem tanto que choramos à frente deles, sem qualquer vislumbre da força que eles esperam de nós. Que há doentes que nos gritam, que nos julgam, que nos criticam e que dizem que sabem mais do que nós porque têm 'a escola da vida'.


Gostava que alguém me tivesse avisado que ia passar mais tempo a lidar com burocracia e a escrever no computador do que a falar com doentes. Que ia ser julgada por ter outros interesses e por não viver única e exclusivamente para ser médica. Que muitas vezes as pessoas não morrem de repente, e em vez disso passam dias a sofrer em frente aos nossos olhos - de tal forma que quando efectivamente morrem não ficamos tristes, mas aliviados.

Gostava que alguém me tivesse avisado que ser médico não é glamouroso. É cansativo, esgotante e profundamente deprimente. É passar os dias a chafurdar na tristeza dos outros, nos problemas dos outros e na desgraça dos outros, que eventualmente se tornam os nossos. É ver as pessoas virarem as costas e irem embora, sem uma única palavra de agradecimento.


E depois há os momentos que valem a pena. Há os agradecimentos sinceros. Há as pessoas que nos marcam. Há as histórias que nunca esquecemos. Há os episódios em que fazemos a diferença. Há as vidas que salvamos, porque há várias formas de manter um coração a bater.

No fim tudo compensa. E nós sorrimos, e sabemos que fizemos a escolha certa.


Mas também vos garanto: rezo todos os dias para que o meu irmão não tenha de passar pela dúvida, pela frustração, pela tristeza, pela insegurança e pela vontade de desistir. E digo-lhe para ir para gestão.

Porque as vidas complicadas são para os masoquistas como nós. Quem tem um pingo de sensatez devia fazer escolhas simples, como ir para gestão. E como estes caracóis de alheira.


Caracóis de alheira e queijo da ilha

Ingredientes (para aproximadamente quarenta folhados):

* Duas placas rectangulares de massa folhada;
* Duas alheiras de peru;
* Uma mão cheia de queijo da ilha ralado.

Confecção:

* Estender as placas de massa folhada;

* Esfarelar o recheio da alheira e o queijo ralado sobre a massa folhada;

* Enrolar a massa sobre si própria a partir do lado mais largo;

* Enrolar em papel vegetal e levar ao frigorífico durante uma hora;

* Retirar e cortar em círculos com cerca de 1.5cm;

* Colocar os caracóis sobre um tabuleiro coberto com papel vegetal e levar ao forno pré-aquecido a 200º durante 25 minutos ou até ficarem dourados.



Até amanhã! :D